Saturday, September 18, 2010

Livros emprestados

O regresso às aulas está aí e os pais fazem o que podem e o que não podem para manter equilibrado o orçamento familiar que por esta época sofre um forte rombo.

Estava a ver as notícias quando me deparei com o depoimento de uma mãe desesperada que demonstrava a sua indignação pelo facto de os manuais escolares estarem sempre a mudar de uns anos para os outros e não servirem, portanto, para os seus outros filhos que andavam um ou dois anos mais atrasados do que a irmã.

Imediatamente me recordei de como foram os meus primeiros tempos de entrada no Ensino Preparatório. Eu e a minha irmã entrámos ambas para o quinto ano e o problema até nem foi o dinheiro para se comprar livros. Nós tínhamos subsídio. Como em tudo o que diz respeito às questões da deficiência, as respostas nem sempre surgem no momento em que são necessárias. Ainda hoje é assim. Portugal pouco evoluiu, no meu entender, em relação a questões sociais que envolvem um certo desconhecimento e uma certa desconfiança.

Tal como eu ouço hoje histórias de que os alunos deficientes visuais se deparam com dificuldades em obter os manuais a tempo e horas, já naquela altura era assim e ficou-se sem saber o que fazer, se comprar os livros convencionais, se esperar por livros adaptados, apesar das contra-indicações da técnica que os desaconselhava pelo facto de isso nos limitar o acesso á informação na nossa vida futura. Se queríamos ler um jornal ou uma revista, não haveria uma especial para nós. Em boa hora proferiu essas palavras. Hoje eu leio de tudo e é algo que me dá grande prazer.

A minha mãe ficou sem saber o que fazer. E se comprasse os livros e depois viessem os livros especiais para nós? A solução foi precisamente pedir alguns emprestados que por acaso eram iguais ou pouco diferiam.

Uma das pessoas a quem se pediram os livros tinha duas filhas. Era um senhor que trabalhava na serração perto de minha casa, com quem a minha família tinha cultivado uma grande amizade. Também as duas irmãs (uma mais velha do que a outra) partilharam os livros e foi assim que eles chegaram a minha casa e ainda serviram para mim. Se dessem para mais alguém, acho que aqueles livros ainda voltariam a ser emprestados mais uma vez.

Apesar de aparentemente a minha irmã ver um pouco melhor do que eu, tal facto não se reflecte na leitura. Passo a explicar: aparentemente vejo menos do que ela porque o meu campo visual é mais reduzido mas basta ter auxiliares de visão para conseguir ler todo o tipo de publicações e usar o computador sem qualquer tipo de software adaptado. Ampliar não é solução para mim. Já a minha irmã beneficia se ampliarem o que ela vai ler. Isto é um aparte para que se tenha uma noção do quão complicado é definir o método ideal para pessoas com baixa visão, mesmo que as causas da deficiência sejam as mesmas.

Com isto tudo quero dizer que era eu quem estudava por aqueles livros que já antes foram usados. Eles não eram todos iguais. Lembro-me que o livro de Inglês do quinto ano era do filho da minha professora da escola primária, sendo o do sexto ano da mesma andada de livros que serviu também para as filhas do senhor do escritório da serração estudarem.

Também me lembro de ter aproveitado igualmente um ou dois livros do meu vizinho. O de Estudos Sociais foi de certeza. Resumindo, no quinto e sexto anos, a minha mochila transportava livros em segunda mão, coisa que hoje é impossível de acontecer.

A minha irmã teve grandes dificuldades porque não se conseguia adaptar a ler nesses livros normais e passou uns primeiros tempos difíceis. Resta dizer que os livros adaptados chegaram aí em finais do segundo período e nem eram iguais. Isto para já não falar na questão prática. Como um livro era constituído por vários volumes, era também difícil localizarmo-nos. Continuei a andar com aqueles que já tinha. Era por aí que estudava.

Quando entrámos para o liceu, a ideia de livros especiais para nós foi completamente abandonada e assim a minha mãe pôde comprar uma andada de livros para cada uma de nós.

Foi importante para mim ter havido a feliz possibilidade de os livros não diferirem de uns anos para os outros. Pensem nisto, senhores governantes!

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