Wednesday, September 08, 2010

Ai Deus do Céu

As pessoas que não têm qualquer tipo de deficiência não imaginam o quanto algumas atitudes irreflectidas da sua parte podem magoar-nos. Mal fazem ideia do quanto nos custa conviver com determinadas situações e determinadas abordagens completamente descabidas que nos fazem.

Já nos basta os obstáculos que temos de enfrentar na nossa vida quotidiana e as pessoas ainda nos fazem sentir pior. Sei que não fazem isso por mal e que tais abordagens apenas demonstram alguma ignorância da sua parte em relação a outros seres que se tiveram de adaptar a uma realidade diferente.

Estava tão bem disposta e logo me estragam o dia com perguntas sobre a minha deficiência. Trabalhando num local onde passa muita gente, de diversas culturas e origens, com formações académicas diversas, de meios diferentes e com diferentes pontos de vista há sempre alguém que cai na tentação de fazer comentários ou perguntas.

Uma das razões pelas quais não gosto de estar ali é precisamente a exposição que tenho aos comentários e perguntas das pessoas, para além de por vezes não as poder ajudar devido à minha falta de visão. Se nessas alturas pudesse fugir dali...por vezes apetece-me até agredir certas pessoas, dar-lhes uma resposta mais ríspida mas mandam as regras da casa que não posso agir dessa forma. Lá tenho de esboçar um sorriso amarelo e responder a contragosto ao que me perguntam.

Já me aconteceu de tudo por causa dessa gente que não sabe como agir quando encontra alguém com deficiência. Já houve uma pessoa que começou a pregar o seu fanatismo religioso. Isso comigo não pega. Se estivesse na rua até dava uma lição de religião a essa senhora. Ela iria fugir e, tal como o outro da outra vez, ficaria a pensar que eu era uma das encarnações do Diabo.

O normal é perguntarem-me simplesmente o que eu tenho nos olhos ou por que é que eu tenho os olhos vermelhos. Lá respondo que é por causa das gotas que tenho de colocar sempre por causa do glaucoma. Muitas, acertadamente, ainda vão dizendo que eu nem devia estar ali a trabalhar porque podia apanhar uma infecção nos olhos e há até quem confunda os meus olhos queimados por anos e anos a colocar gotas com conjuntivite. Há também quem me pergunte se já fui ao médico e quem me mande mesmo lá ir o quanto antes. Mas esta criatura...

Chega ao pé de mim e pergunta-me assim sem mais nem menos se eu era cega. Num local onde havia mais pessoas à volta. Apeteceu-me mandar-lhe com a caixa de plástico que trazia os vegetais que estava a repor em cima da cabeça oca daquela criatura. O esforço que eu fiz para me conter.

Ela exclamou com ar de quem tinha visto um OVNI :
- AI DEUS DO CÉU! E trabalha em vez de estar em casa com uma reforma.

Enfim...tenho de aturar estas coisas. É triste mas é a nossa realidade. É mais um obstáculo que temos de ultrapassar e este poderia ser evitado se as pessoas se consciencializassem do que lhes fica bem e do que não fica.

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