Monday, November 28, 2011

“A Casa Dos Espíritos” (impressões pessoais)




Esta é mais uma das minhas incursões pela literatura clássica, aquela de que toda a gente já ouviu falar. Desde muito jovem que ouço falar deste livro, sempre tive curiosidade em o ler mas só agora foi possível.

De um modo atraente para o leitor, com a cruel realidade a misturar-se com o fantástico e o sobrenatural, Isabel Allende faz passar a sua mensagem e dá-nos a conhecer, de certa forma, como se vivia no Chile antes e durante a ditadura militar liderada por Pinochet que conquistou o Poder à custa da morte do próprio pai da autora deste livro que havia sido eleito democraticamente.

Através de personagens fictícias, é contada toda a história de guerrilhas políticas que já vêm acesas de há muitas décadas e que culminam com a perda de toda a liberdade e democracia.

Conhecedora do que se passou no Chile a 11 de Setembro de 1973 e achando este episódio lamentável e triste, pude compreender melhor o teor desta obra. Há uns anos ouvi na rádio os registos sonoros da queda de Salvador Allende, do silenciamento de todos quantos entoavam trovas de paz e liberdade, dos que simplesmente desapareceram às mãos da brutalidade de Augusto Pinochet. Um episódio lamentável da História Mundial. Aquele homem merecia morrer de morte mais violenta que existe por tudo quanto infligiu ao seu povo. Não, o monstro morreu de velho e de forma tranquila. Aquando da notícia da sua morte, não usei o velho chavão de dizer bem de quem acabava de partir e não poupei este homem (procurar texto “o homem mau”).

Para além do rigor histórico, o sobrenatural e a fatalidade estão fortemente presentes nesta obra. O conceito de Destino e (quem sabe) de reencarnação estão presentes através da influência de Clara que contrapõe com o pragmatismo do seu marido que vive todos os acontecimentos retratados na obra e é um dos seus narradores juntamente com a sua neta Alba que se serve dos cadernos de anotar a vida da sua avó Clara para escrever a obra.

Episódio marcante desta obra? O aparecimento do espírito de Férula quando toda a família estava reunida à mesa. Só Clara se apercebeu que se estava na presença do espírito da cunhada. Os outros correram para a abraçar porque já não a viam há muito e ficaram contentes com o seu hipotético regresso.

Ao longo da obra são repetidas várias vezes as mesmas descrições para reforçar o teor da fatalidade, da influência do passado no futuro. Estou-me a lembrar das descrições dos banhos que Férula e a ama davam a Clara. Aquando da sua morte, Férula foi banhada por Clara e a autora recorreu exactamente à mesma descrição.

Isabel Allende não caiu na tentação de colorir a sua narrativa com longas e enfadonhas descrições. Com simplicidade, a autora ia descrevendo todos os acontecimentos, recorrendo por vezes a uma linguagem muito pouco literária e muito pouco delicada. Como exemplo, assinalei este parágrafo na página cento e sete do meu exemplar. Ao ler isto nós imaginamos mesmo os protagonistas. Está simplesmente deliciosa esta descrição.

“Foi o ano do tifo exantemático. Começou como outra calamidade dos pobres e logo adquiriu características de castigo divino. Nasceu nos bairros indígenes, por culpa do Inverno, da destruição, da água suja das regueiras. Juntou-se ao desemprego e repartiu-se por todo o lado. Os hospitais não davam vencimento. Os enfermos deambulavam pelas ruas com os olhos perdidos tiravam os piolhos e lançavam-nos às pessoas sãs. Pegou-se a praga, entrou em todos os lugares, infectou os colégios e as fábricas, ninguém podia sentir-se seguro. Todos viviam com medo, interpretando os signos que anunciavam a terrível enfermidade. Os contagiados começavam a tiritar com um frio de gelo nos ossos e aos poucos eram tomados pelo estupor. Ficavam parados como imbecis, consumidos pela febre, cheios de manchas, cagando sangue, com delírios de fogo e de naufrágio, caindo ao chão com os ossos de lã, as pernas de trapo e um gosto de bílis na boca, o corpo em carne viva, uma pústula vermelha ao lado de outra azul e outra amarela e outra negra, vomitando até as tripas e gritando a Deus que tivesse piedade e que os deixasse morrer de vez, que não aguentavam mais, que a cabeça se lhes rebentava e a alma se lhes ia em merda e espanto.

Para terminar, há que referir alguns personagens que terão uma correspondência com personagens reais que existiram no Chile aquando da tomada do Poder por Augusto Pinochet. São personagens que nos deixaram um espólio cultural enorme e ainda hoje são recordados como ícones do Chile. Não se fala de Chile sem que nos lembremos destes dois nomes. O Poeta tantas vezes citado nesta obra seria provavelmente Pablo Neruda. Pedro Tercero Garcia- pai de uma das narradoras desta obra- teria muitas semelhanças com o trovador e músico Victor Jara.

Foi uma leitura agradável e extremamente positiva. Adorei ler este livro.

Passemos agora em termos de literatura para algo completamente diferente. Passemos para o típico romance policial americano. “LA Confidential” é a obra a merecer a minha atenção ao longo das próximas semanas

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