Thursday, July 08, 2010

Viciado em lulo



Por vezes, sem nada para fazer, a vasta equipa que faz parte deste humilde espaço percorre à deriva as zonas circundantes aos locais onde decorrem certos eventos e vai em busca de novos motivos de interesse, nem que para isso tenha de ir incomodar as pessoas.

Não me perguntem o que alguns elementos faziam na Combina. Isso já não é nada comigo. Só sei é que andaram por lá. Num bairro muito degradado de Bogotá, cheio de barracas que prometiam desmoronar com um sopro, descansava um homem que aparentava ter entre quarenta e cinquenta anos. Parecia estar sob os efeitos de uma qualquer droga. A nossa equipa de reportagem teve de o acordar com dois valentes abanões e teve de lhe tirar uma foto com o flash no máximo. Com a luz, ele finalmente reagiu.

Saúl Abaúnza- assim se chamava o indivíduo- demonstrava um ar descuidado. A barba estava por fazer há semanas, a camisa amarela que envergava já estava da cor da terra e o seu corpo parecia não ver água limpa há umas largas semanas. A magreza quase esquelética demonstrava também que mal se alimentava. Ao lado do monte de cobertores velhos que lhe servia de cama havia uma cesta de lulos. O seu perfume agradável contrastava com o cheiro a degradação e desmazelo que vinha do interior do barraco e do corpo de Abaúnza. Ao lado do cesto dos lulos havia vestígios do consumo de cocaína mas parecia que a ultima dose já havia sido consumida há umas semanas. Invólucros de droga vazios encontravam-se espalhados pelo chão. Saúl ergue-se com dificuldade. Mais dois lulos rebolam do local onde ele tinha apoiada a cabeça.

Saúl Abaúnza pega num deles com extremo carinho e encosta-o às narinas. Inspira profundamente. As cores voltam a povoar o seu rosto pálido e as suas feições parecem rejuvenescer uns dez anos. O prazer em inspirar o perfume dos lulos é visível para quem assiste. Quisemos saber qual o segredo do perfume dos lulos para a aparente vitalidade daquele colombiano e resolvemos entrevistá-lo.

Toupeira:- Boa tarde, senhor Abaúnza! Podemos saber se esses lulos são normais?
Saúl Abaúnza: - Sim. Vieram do meu quintal. Apanhei-os hoje de manhã para alimentar o meu vício antes que a ressaca apareça. Quando vocês chegaram, já eu estava a sentir os primeiros sintomas dela.

T.: - Não sabia que a abstinência de lulos dava ressaca!S.A.: Claro que dá. E ainda é pior do que a de falta de coca.

T.: - Como é que descobriu que os lulos eram uma droga?S. A.: - Eu consumia coca há vinte anos. Quando não tinha dinheiro para a comprar, vendia umas frutas e uns vegetais que eu próprio produzia e dava para comprar umas gramas para me manter direito. Um dia destes acabou-se o dinheiro. Andava a consumir coca a mais e o dinheiro não chegou. Estava com uma ressaca horrível. Então fui ao meu quintal, colhi dois lulos e encostei-os ao nariz. Imediatamente me senti como novo. Senti-me no Céu. Foi uma sensação tão bonita...(volta a levar um lulo bem laranjinha e lustroso ao nariz e inspira profundamente. Nós esperamos.)

T.: - Vive aqui sozinho?S.A.: - Sim. Era casado mas a minha mulher abandonou-me porque eu era viciado de mais em coca e estava a arruinar-me.

T.: - Se ela soubesse agora que o senhor deixou a droga, acha que ela voltaria para si?
S.A.- Penso que não, até porque ela detesta o aroma dos lulos. Fizeram-lhe mal ao estômago uma vez e nunca mais pôde sequer olhar para eles. O meu quintal é ali atrás.

Olhámos na direcção que ele indicou e vimos que o seu pomar está realmente bem tratado. Nota-se o carinho com que trata os sus lulos. Quisemos perguntar se, para além de inalar o seu perfume com avidez, se os comia ou fazia sumo com eles. O nosso interlocutor quase nos quis bater.

S. A. : - COMER OS LULOS?!! MAS VOCÊS ESTÃO LOUCOS? (e ameaça arremessar uma das suas galochas que usa para trabalhar nas suas plantações de lulos).

Nós dissemos-lhe que era um fruto rico em vitamina C, que era bom para fazer sumo e tal mas ele estava bastante exaltado. Houve um colega nosso que na fuga perdeu um bloco de notas dentro do barraco. Para o recuperar sem sofrer represálias teve de ir ao quintal do senhor Abaúnza buscar os lulos mais perfumados que lá existiam. Atirou-os cuidadosamente para onde o homem se encontrava a vociferar. Ele apanhou um e levou-o ao nariz. Imediatamente se acalmou e o nosso colega saiu sorrateiramente do barraco já com o seu bloco de notas no bolso.

No comments: