Thursday, July 22, 2010

Maçãs podres



O rumor já circulava há alguns dias. A transferência de João Moutinho do Sporting para o Porto- a concretizar-se- prometia animação ao defeso em Portugal.

O antigo capitão do Sporting apareceu mesmo para treinar no Centro de Treinos do Olival devidamente equipado de azul enquanto que o presidente do Sporting caracterizava Moutinho como sendo a maçã podre do balneário leonino, acusando-o de ter tido um comportamento deplorável nos últimos tempos.

Eu, que lido com fruta todos os dias, soltei uma valente gargalhada e antevi rir-me ainda mais quando achasse uma maçã podre no dia seguinte. Só que há um pequeno aparte: as maçãs que normalmente há por lá pelo meu local de trabalho são encarnadas e quando apodrecem ficam castanhas. Maçãs verdes que quando apodrecem ficam azuis? Que fenómeno!

A transferência estava mais do que confirmada. Moutinho trocou o Sporting pelo clube rival por menos de metade da sua cláusula de rescisão e o Sporting também recebeu em troca o central Nuno André Coelho que não estava nos planos do clube presidido pelo mítico Pinto da Costa. Nas hostes leoninas havia que dar uma explicação convincente, mas mesmo muito convincente aos sócios e adeptos para a razão da transferência do capitão de equipa, logo para um clube rival e por metade da sua cláusula de rescisão.

José Eduardo Bettencourt compareceu na sala de imprensa a dar explicações muito pouco claras para a inesperada saída de Moutinho para o Porto. Referindo-se em termos pouco abonatórios ao antigo capitão, o presidente do Sporting ainda referiu que nenhuma proposta para além daquela havia chegado para a venda do jogador. Obviamente que ninguém acreditou!

Em Março o Lokomotiv de Moscovo, se não me engano, estava disposto a contratar Moutinho e Izmailov (outro jogador de quem correm rumores que será o próximo a trocar Alvalade pelo Dragão). Os dirigentes do Sporting recusaram a proposta argumentando que os jogadores seriam precisos para os jogos da Liga Europa. Como se o Sporting aspirasse a vencer a competição! O fracasso nessas transferências levaria, dias mais tarde, ao “caso Izmailov”. Já nessa altura os dirigentes do Sporting deveriam ter aberto os olhos e feito o que tinham a fazer: deixar os jogadores sair e seguirem a vida deles onde se sentissem melhor.

A confirmar-se a debandada de outros jogadores para além de Moutinho, a culpa será inteiramente dos dirigentes que estão completamente a léguas daquilo que é hoje a realidade do Futebol mundial. Hoje em dia, por mais que se tente, já é impossível segurar um jogador para sempre num clube. Mesmo que se prometam mundos e fundos. Todo o jogador é ambicioso e o sonho de experimentar outras realidades futebolísticas não vale quanto dinheiro se queira colocar numa cláusula de rescisão que na prática funciona como qualquer documento existente à época da escravatura que já ficou para trás há séculos.

Sou da opinião de que a FIFA ou a UEFA deveriam intervir para acabar com estes abusos das cláusulas de rescisão e impusessem novas regras ao mercado futebolístico que está a entrar num beco sem saída. Os interesses dos jogadores devem ser defendidos primeiro que tudo. As cláusulas de rescisão incomportáveis são uma forma moderna de escravatura, disse e repito.

O Sporting e outros clubes por aí colocaram fasquias muito altas para salvaguardar que as suas estrelas permaneceriam o maior tempo possível ligadas aos seus emblemas, mesmo que para isso perdessem o sorriso na cara e a vontade de fazerem aquilo de que mais gostam. O resultado é este que se está a ver agora no Sporting e o que se viu na mesma colectividade desportiva ao longo de toda a penosa época passada.

Tenho amigos sportinguistas que defendem que a desastrosa época realizada o ano passado teve a ver com a presumível vingança de alguns jogadores por não os terem deixado partir para voos mais altos. São os próprios adeptos do Sporting a dizer isto e agora o discurso do presidente vem, de certa forma, ao encontro desta teoria que não deixa de ter lógica. Moutinho terá liderado o protesto de jogar mal para pressionar os dirigentes a deixar sair os jogadores? Recorde-se que Moutinho veio, no início da época, manifestar o seu desejo de abandonar Alvalade. Um ano depois concretiza-o e logo para o clube rival. Rumores? Teorias descabidas? Nem por isso. As provas estão à vista.

Que este caso sirva de lição a todos os dirigentes portugueses e não só: os jogadores, por mais valiosos e imprescindíveis que sejam, não são mercadoria, são seres humanos e, como tal, têm os seus sonhos e ambições. João Moutinho agiu de forma desesperada. Sentiu-se com as pernas cortadas, com a vida pendurada por um simples papel absurdo, com números inapropriados que hipoteca o querer e a vontade do homem que existe para lá do jogador de Futebol. Encorajados por este caso, muitos Moutinhos se prepararão para a revolta contra a verdadeira selva que são as cláusulas de rescisão incomportáveis.

No comments: