Sunday, September 03, 2006

Descida ao Inferno

Acordei bastante triste. Não foi pelo lamentável episódio que se passou na véspera. Às vezes acordo assim porque a minha vida não é talhada para sorrisos.

Naquela mesma data, mas há dois anos atrás, desci ao Inferno quando contava que tudo voltasse à normalidade e pudesse prosseguir com os meus projectos para desencadear uma mudança positiva na minha vida, depois de recuperar da operação aos olhos. Ia cheia de esperança de voltar a treinar. Não escondia que estava feliz porque ia voltar a fazer aquilo que gosto.

Porém, a minha esperança ruiu quando me foi dito que nunca mais podia praticar Desporto. É difícil descrever o que senti naquele momento. Foi como se tivesse morrido por dentro. De nada valia ter sonhos e ter a ambição de ser feliz. A partir daquele dia perdi tudo o que amava e que me dava alegria de viver. Não iria ver mais os meus amigos, dificilmente conheceria outros lugares ou pessoas e seria quase impossível realizar alguns dos meus sonhos pelos quais tanto batalhei.

Passaram dois anos sobre aquele maldito dia. Apesar de ter continuado a praticar Desporto depois de um ano para esquecer, tudo o que eu julguei vir a acontecer confirmou-se. Nunca mais fiz provas desportivas fora de Coimbra, perdi completamente o contacto com os meus colegas e fui abandonada pelos responsáveis da Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes que poderiam ser mais solidários para com alguém que sempre se sacrificou, apesar de todos os problemas. Que fiz eu para merecer tal castigo?

Muitas vezes sonho que reencontro os meus amigos. Quando acordo, sinto-me desolada e as lágrimas teimam em rolar em direcção à minha almofada. Muitas vezes o palco dos meus sonhos é a Holanda. Estou radiante e apetece-me voar sobre os altos edifícios. Acordo. O Céu azul é substituído por uma imensa escuridão. É madrugada e tudo aquilo era algo que eu desejava realmente.

E assim é a minha vida desde essa altura. Tento encontrar uma saída, mas vejo que não há nenhuma. Parece que não nasci para ser feliz. Se tenho algum escasso momento de alegria, logo esse momento é ofuscado por algo que não desejaria que acontecesse. Parece que há uma força oculta que não gosta de me ver sorrir e apenas se contenta com as minhas lágrimas de frustração. As pessoas, a doença, tudo me impede de levar uma vida como qualquer pessoa sonha.

Foi em tudo isto que pensei naquela manhã. Do incidente da véspera nem me lembrava mais. Ao lado da grande chatice que é a minha vida, aquilo era um pormenor e mais nada. Só que os meus colegas deram importância àquilo que não era relevante para mim. Tomaria eu que me tivessem deixado em paz. Já que não ajudam, não compliquem!

Claro que eu sou sempre a má da fita. Já estou habituada a não ter sorte. O que foi uma coisa sem importância, acabou em algo que me fez sentir a mais infeliz pessoa à face da Terra. Se algumas pessoas soubessem brincar, nada disto teria acontecido. O que aconteceu foi que eu tive necessidade de pôr fim a certo tipo de coisas que se estavam a passar e às quais não estava a achar o mínimo de piada. Bem pelo contrário. Perante algo que se passou numa aula há uns dias atrás, fui para casa lavada em lágrimas. Há pessoas na minha turma que não medem os actos e as palavras. Podem não ter a intenção de magoar ou agredir. O problema é que eu acho que as pessoas deviam-se colocar no meu lugar.

Ninguém me compreende. Em casa, os meus pais não me podem ajudar muito, nem têm condições para me darem aquilo que eu necessito. Nasci com uma doença para a qual o único remédio é sofrer os danos que ela me causa passivamente. Tive o azar de acordar para a vida tarde demais. Quem me devia ajudar vira-me as costas, por mais que eu mereça respeito e consideração. A minha vida não é fácil. Nem à pior das criaturas desejaria semelhante sorte.

Apesar de o ânimo não ser muito, fui às aulas normalmente. Olhar para os meus colegas não era fácil. Na segunda hora cheguei mais tarde e havia um exercício para fazer. Comecei a escrever sem parar. Escrever é uma forma que eu tenho de acalmar. Quando dei por mim, já tinha escrito duas folhas. O resultado pode ser lido na mensagem seguinte.

Acabar as aulas foi para mim um alívio naquele dia. Queria estar só. As pessoas eram ingratas. Sentia-as hostis, ameaçadoras, arrogantes...

Quando estou triste ou nervosa costumo fazer bons treinos. Naquele dia faltava-me a força, não me sentia bem, a minha cabeça parecia explodir.

Apenas comi uma laranja. Aquela situação toda tirou-me o apetite. Liguei a televisão para ver as notícias. Foi aí que recebi algo de positivo. O Óscar Freire tinha ganho a etapa do dia no Tour. Esbocei um ténue sorriso. Até que enfim que alguém me consegui fazer sorrir!

As dores de cabeça eram insuportáveis. Deitei-me em cima da cama. Adormeci sem dar por isso. Quem dera acordar e verificar que aquele dia não existiu, tal como acontece com os sonhos em que vivo momentos felizes com as pessoas de quem gosto e nos locais onde desejaria imenso estar.

Bacorada do dia:
“Em que dia calha o Natal?” (agora não tenho aqui o calendário, mas parece que calha a 25 de Dezembro.)

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