Friday, September 01, 2006

Às voltas em Madrid



Chegámos a território espanhol. Parece que já íamos em Salamanca. A noite estava fria e a paisagem não diferia muito da que vemos em Portugal.

Não estava a dormir, mas algo me inspirava a sonhar acordada. Normalmente tenho ideias incríveis a horas tardias da madrugada. Ali a minha imaginação parecia não ter limites. Pensava nas coisas mais estranhas que poderia viver algum dia. Sei que a curiosidade é muita, mas não vou revelar o conteúdo dessas histórias.

Assim foi passando o tempo. Parecia que já estava a amanhecer. Um emaranhado de luzes pareceu acordar os passageiros. Pelas conversas paralelas, já estávamos nos arredores de Madrid. O autocarro andava às voltas.

A Rodoviária de Madrid era monstruosa. Claro que tinha de ser assim. Teríamos muito que cavar para encontrarmos a saída para a rua. Até que estávamos divertidas a subir e a descer escadas rolantes. Nem dava pelo cansaço. Tudo ali era novidade para nós. E as figuras que fizemos.

Num dos andares havia uma saída para a rua. A vista dali era excelente. Não houve tempo para tirar uma foto ali. O dia prometia ser esplêndido. Já não estava frio e o Sol prometia brilhar com grande intensidade.

Do outro lado havia um café onde fomos tomar o pequeno-almoço. O problema era pedirmos o que queríamos comer. Parece fácil, mas os termos são diferentes. Aliás, isso também difere de região para região em Portugal. Ultrapassado esse problema, ficámos por ali a dar uma vista de olhos nuns apontamentos que a minha colega trazia e a tentar perceber as primeiras notícias da manhã que a televisão transmitia lá de cima.

Saímos do estabelecimento. Voltaríamos lá mais tarde. Agora havia que encontrar a saída. Apesar de nos encontrarmos na rua, tínhamos de descer novamente as escadas rolantes. Felizmente a minha colega ainda possui uma acuidade visual que lhe permite ler os letreiros e as indicações. Seguimos as setas e fomos para a rua na esperança de apanharmos um táxi.

De facto estávamos na rua. Dois carros estacionados ali davam a impressão de estarem à espera de algo. Seriam táxis? Estivemos para perguntar. Se não fossem, nós iríamos passar a maior vergonha. Que é que iriam pensar de nós? Voltámos para dentro e perguntámos. O local onde se apanhavam os táxis era do outro lado e os táxis não tinham nada que enganar em relação aos outros automóveis. Em Madrid os táxis são todos brancos com uma lista encarnada na diagonal.

Chegou a nossa vez de entrarmos num táxi que nos levaria ao local onde prestaríamos provas. O motorista era galego e entendia-se na perfeição. Falou-nos do que conhecia de Portugal e fomos mantendo uma conversa agradável. O trânsito era caótico. Ninguém se entendia. O Sol demasiado baixo da manhã fazia-me uma certa impressão nos olhos. E eu que queria ver a paisagem!

Demorámos mais de meia hora para chegar ao destino. O trânsito a isso obrigou. Perguntámos a um senhor onde poderíamos esperar pelas provas. À entrada havia muita gente, mas não sabíamos se estavam para as provas ou para alguma consulta de Fisioterapia.

Entrámos mais para o interior onde havia um corredor com uma infinidade de portas amarelas com a designação do tipo de local que eram. Decidi explorar aquele corredor. A maioria das portas estavam fechadas. Numa parte mal iluminada do corredor havia daquilo que vinha mesmo a calhar para quem não dormiu: uns sofás muito fofinhos que convidavam ao descanso. Foi ali que ficámos até serem horas de prestarmos provas.

Como estávamos separadas dos outros, andavam á nossa procura. Quando nos encontraram, chamaram-nos para junto dos restantes candidatos onde já estava o nosso colega. Um a um, íamos sendo chamados para prestar diferentes tipos de avaliação. Enquanto isso, íamos ouvindo o que diziam os outros acerca do curso. Parece que agora se tinha de fazer provas como os outros que pretendiam aceder ao Ensino Superior. Estavam todos preocupados por terem de fazer provas específicas de Química, Física, Matemática. Muitos dos candidatos que ali estavam eram de Letras e houve mesmo pessoas seleccionadas que não compareceram. Provavelmente desistiram ao saber das mudanças de acesso ao curso.

Das provas constava uma avaliação aos conhecimentos de Espanhol, um questionário médico, avaliação em Mobilidade e uma entrevista com os directores.

Na avaliação de Mobilidade tive oportunidade de experimentar algo que eu nunca tinha visto: uma bengala branca rolante. Em vez de dar toques no chão, rolava. Era mais fácil para mim esse tipo de objecto que só existe ainda em Espanha.

Os espanhóis engraçavam comigo por causa da camisola de Portugal e garantiram apoiar a Nossa Selecção. A Espanha já não estava em prova e Portugal passaria a ser apoiado por nuestros hermanos.

Estávamos a contar que o nosso colega nos levasse a dar uma volta pela cidade. Estava um belo dia para se passear e tínhamos de aproveitar o facto de estarmos ali. O pior é que ele tinha desaparecido e todas as tentativas para o contactarmos fracassaram. Onde se teria metido o Rapaz da Camisola Vermelha? Estávamos desesperadas sem saber o que fazer na capital de Espanha. Se ele aparecesse...

Andávamos por ali de um lado para o outro. Rua acima, rua abaixo. Aquela parte da cidade ficou bem conhecida por nós, sem dúvida! O calor era sufocante. Havia que procurar um local onde pudéssemos comer alguma coisa. Fomos um pouco mais para cima e encontrámos um pequeno restaurante. Novamente sentimos o mesmo problema de não sabermos o que significavam os pratos. Estivemos largos minutos a olhar para o cardápio sem saber o que fazer. Ao menos íamos maldizendo o nosso colega que nos deixou ali perdidas na cidade. Se ele ali estivesse, tudo seria diferente. Ele vem da Venezuela e fala Espanhol na perfeição. Além disso, conhece Madrid. Não o conseguíamos contactar.

Voltámos para o mesmo local. Que fazer? Não estávamos na nossa terra. E por onde andaria o nosso colega? A minha colega já se estava a passar porque ele não esperou e nem atendia o telemóvel. Quando ela o encontrasse...Em tom de brincadeira ainda lhe disse:
-“Com um bocado de sorte, ele ainda vai no autocarro connosco!”

Não foi completamente a brincar que eu disse isso. Ele disse-me que tinha vindo de comboio e perguntou a que horas era o autocarro. A minha profecia dita em tom irónico iria acontecer mesmo.

Depois de tanta indecisão, acabámos por esperar o autocarro. O destino seria a estação de metro que nos levaria a uma longa espera na Rodoviária. Era essa a maneira de conhecermos Madrid. A viagem de autocarro iria ser um pouco longa.

Ansiosas, perguntávamos ao motorista se ainda faltava muito. O senhor já devia estar farto de nos aturar. O sono já me vencia. Disfarçava, olhava para a paisagem que me era desconhecida. Estava em Madrid.

Chegámos à estação de metro. Era uma confusão enorme! E agora? Foram muitas as pessoas a quem perguntámos pela linha que nos indicaram. Quanto mais perguntávamos, mais a confusão se instalava. Estava a ser uma verdadeira aventura aquela viagem.

Apanhámos o metro. Não nos sentámos para vermos melhor onde íamos. Algures aparecia o nome das paragens escrito e a minha colega estava com atenção. Sempre pensei que em Espanha o metro anunciasse as paragens por sistema de voz, tal como acontece em Lisboa.

Subimos e fomos dar, justamente, onde queríamos: à Rodoviária. Chegava a pior parte da viagem. Tínhamos de esperar pelo final da noite para regressarmos a Portugal. Mais uma vez, lamentámos o facto de o nosso colega se ter afastado de nós. Evitávamos de estar ali a ver passar as pessoas sem ter nada que fazer.

Foi novamente uma ocasião para ler um pouco do meu livro. Um cheiro desagradável invadia as minhas narinas. Não liguei, nem quis saber de onde vinha. Continuei a ler como se nada fosse. Foi quando a minha colega me alertou que havia um indivíduo que parecia não tomar banho desde o Dia de Páscoa.

Procurávamos comida. As horas tinam passado e a fome apertava. Sempre o mesmo problema de não sabermos o que pedir! Voltámos ao local onde estivemos a tomar o pequeno-almoço. Vinha dali um aroma de crescer água na boca. Porém, acabámos por ir comer uma sandes e beber uma cola a outro lado. Era só o que comíamos por desconhecermos em que consistiam alguns pratos.

Faltava cerca de uma hora para a partida e fomos ver se estava por lá o autocarro. Sempre era da maneira que podíamos descansar um pouco. Ansiávamos por ir lá para dentro.

Chegou a hora de embarcarmos. Olhando para um dos lados, a minha colega nem quis acreditar no que via. Ao longe vinha alguém de camisola vermelha. Era ele! Eu tinha razão. Ele vinha connosco. Prometia aquele encontro ali. Ele justificou-se com o facto de o telemóvel não funcionar e de não ter podido avisar que estava com o irmão.

O motorista implicava com os passageiros. Parece que não queria mochilas lá em cima. Eu já me estava a passar com a criatura. A minha mochila tinha de ir em cima. Iam lá as minhas gotas e ela não ia a fazer cócegas a ninguém.

Depois a minha colega apanhou um valente susto. As mesmas pessoas implicaram com o bilhete dela. Ela ficou desesperada com medo de ficar em Madrid. Felizmente, tudo se resolveu da melhor maneira e seguimos os três no autocarro. Ainda trocávamos ideias sobre o que se passou nas provas. Os exames em Setembro iriam estragar tudo. A resposta sobre qual de nós iria ficar seria dada dentro de poucos dias. A apresentação de alguns documentos também tornou difíceis as coisas. Em anos anteriores não havia tanta exigência.

O cansaço já se apoderava de nós e o corpo adormecia á medida que o autocarro avançava. Ao som da música que trazia, mergulhei num torpor leve. A viagem era longa.

Situação do dia:
Era tal a ânsia de entrar no metro que me agarrei à porta da composição de garras bem afiadas. O pior é que não agarrei a porta. Arranhei a cara de uma pessoa que ia a sair. Se calhar magoei-a, mas ali não se podia perder tempo.

Bacorada do dia:
“Ali estão dois autocarros, mas estão a trabalhar parados.” (as máquinas só fazem o que os seres humanos lhes ensinam.)

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