Tuesday, October 26, 2010

Duas pequenas histórias envolvendo deficientes visuais e pessoas aparentemente normais

É incrível como algumas pessoas conseguem ser ainda piores do que nós! Haviam era de ter vergonha de terem determinadas atitudes que as levam a fazer figuras bastante deprimentes.

O primeiro caso passou-se quando eu subia a rampa da ACAPO. Já me ia embora. A descer a mesma rampa vinha uma senhora aí com cerca de uns trinta anos. Vinha a correr de forma descontrolada. Pensei que se tratava de uma das técnicas da instituição que teve de voltar atrás a correr por se esquecer de alguma coisa. Quando chegou perto de mim, a Toupeira Dum Raio- que consegue assim ser mais toupeira do que eu- surpreendeu-me perguntando:
- Por aqui vou dar ao fundo daquela rua?
Contendo o riso, eu expliquei:
- Não. Se for por aqui esbarra directamente naquele muro.

Ainda sem fôlego da corrida, a criatura voltou a correr para cima. Segui um pouco mais atrás para observar o andamento dela. Ficou imóvel no passeio sem saber se havia de caminhar para trás ou para diante. Eu ainda lhe gritei:
- Por aqui por esta cortada é que vai dar ao fundo da rua como quer.
Ela continuou a olhar para a cortada como um boi olha para um palácio. Estaria bem pura? É que parece que não. Se eu sabia, nem lhe tinha dito nada. Queria ver ela, com o balanço que trazia de descer a rampa, a ir de encontro ao muro e dar meia pirueta no ar. Ia lá parar abaixo, ó se ia, mas não era da maneira que desejava.

Ainda regressei à ACAPO. Uma amiga minha contou-me uma outra história que passo a partilhar, até para alertar as pessoas que pretendam ajudar os deficientes visuais que nem sempre o podem fazer e que, por vezes, podem até causar-nos um certo embaraço. As pessoas podem sempre ajudar mas há que perguntar primeiro se precisamos de ajuda. Se acaso recusarmos, é porque estamos de facto orientados e não vale a pena as pessoas ficarem agastadas pelo facto de recusarmos ajuda.

Depois também há aquelas pessoas que querem ajudar a todo o custo, chegando mesmo a causar embaraços às pessoas deficientes visuais e depois espantam-se de determinadas reacções. O que esta senhora fez no autocarro à minha amiga é um exemplo que deve servir de conselho para que ninguém volte a repetir a gracinha.

A minha amiga está a estudar de noite numa das escolas secundárias que ficam ali junto ao Dolce Vita. Ela vinha para cima num autocarro. A senhora deve ter a ideia pré-concebida de que todos os cegos que vão num autocarro que passe pelos Combatentes têm forçosamente de sair na ACAPO. Isso já me aconteceu a mim também. Nada mais errado. Felizmente há mais vida para nós para além da ACAPO.

Esta criatura terá visto a minha amiga a falar com o motorista e depreendeu que ela lhe estivesse a pedir para parar mesmo em frente da instituição. Na verdade ela estava a pedir que a deixasse junto à passadeira que ela teria de atravessar para a escola. Quando o autocarro chegou à paragem junto à ACAPO, a senhora desalojou simplesmente a minha amiga do lugar onde ela se encontrava, agarrou nela à força como quem agarra em sei lá o quê e plantou-a em frente da porta para ela sair.

É claro que a minha colega ficou melindrada. Ao facto de ela responder que queria sair noutro local, a senhora interpretou como sendo falta de delicadeza da parte dela. Visivelmente agastada, a mulher sempre foi resmungando que nunca mais ajudava nenhum cego porque eles ainda a tratavam mal. Enfim…Minha senhora, acha que agiu correctamente? Isso jamais se faz. Depois acho que devia perguntar se a pessoa precisava de ajuda. Se ela dissesse que não, não precisava de ficar zangada. Hoje em dia todos nós somos autónomos. Muitos trabalham, outros estudam. Nem sempre se vai para a ACAPO.

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