O congresso iria começar dali a três dias mas Artur gostava
sempre de viajar três dias antes. Assim, tinha tempo para se adaptar a um clima
diferente, a um novo fuso horário e podia sempre passear um pouco.
Consigo trazia apenas uma mochila de mão com os produtos
eletrónicos e uma pequena mala de roupa. A bagagem não lhe pesava muito quando
subiu as escadas rumo ao seu quarto no segundo andar de um hotel cinzento e sem
vida.
O alojamento foi escolhido pela empresa que pretendia cortar
nos custos de viagens e alojamento. Nada de hotéis luxuosos. Haveria certamente
conforto em hotéis mais singelos. Olhando em seu redor, Artur pensou que este
hotel seria cómodo mas deprimia o mais alegre dos hóspedes logo à chegada.
A receção estava despida de objetos decorativos. Somente um
quadro com informações impedia as paredes de um branco acinzentado de ficarem
vazias.
O empregado da receção parecia ter sido escolhido a dedo
para não colidir com a falta de decoração do local. Já na casa dos sessenta
anos, baixo e algo anafado, concentrava-se num conjunto de papeis quando Artur
fez check in.
No segundo andar, Artur procurou o quarto duzentos e seis. O
corredor era iluminado por uma luz que emitia mais sombra que luminosidade. A
sorte era que os números das portas, mesmo com fraca iluminação, brilhavam
soturnamente.
Artur colocou a chave na porta. Pensava que dentro do quarto
iria ter o conforto que o hotel não demonstrava na receção e nos corredores.
Assim que abriu a porta, foi recebido por uma escuridão opressiva. O pesado
cortinado preto encontrava-se cerrado e nem uma fresta de luz daquele final de
tarde penetrava no aposento. O espaço era pequeno e frio. Do mobiliário fazia
apenas parte uma cama rústica, uma mesa e uma cadeira. Nada de um armário para
arrumar a roupa. Havia um pequeno cubículo que era a casa de banho. Também esta
divisão não ostentava decorações ou objetos. Uma toalha encontrava-se pousada
dentro do lavatório. Nada mais. Parecia que o quarto não tinha conhecido sinal
de vida humana há muito.
Com um inexplicável aperto no coração, Artur voltou a descer
para procurar um restaurante. Já passava das sete da tarde e eram horas de
jantar. Chovia um pouco quando se aventurou pelas ruas desconhecidas. Chapéus
de chuva negros povoavam a paisagem. O tráfego nas ruas denunciava a pressa de
chegar ao aconchego de um lar acolhedor. Fazia imenso frio. Estavamos em abril.
De volta ao hotel, Artur subiu para o seu quarto. Havia que
descansar um pouco. A viagem havia sido longa e mal deu para dormir no avião. A
viagem foi aproveitada para ler os jornais e consultar a bolsa.
Consultando o smartfone, Artur aguardava novidades dos seus
amigos norte-americanos que chegariam no dia seguinte. Já sentia frio. Procurou
o ar condicionado no quarto mas parecia mesmo não haver. Quando um quarto nem
uma simples televisão tem, também não terá ar condicionado. A solução era mesmo
ir-se deitar.
Era madrugada. Com suor frio a escorrer-lhe da testa, Artur
levantou-se de um salto. Uma sensação de puro pavor percorria-lhe o corpo. Se
lhe perguntassem a origem do medo, não saberia precisar. Talvez tenha sonhado
alguma coisa que o tenha assustado. Se fosse esse o caso, estaria agora a rever
imagens do pesadelo, como sempre acontecia desde que ele era um menino e corria
para a cama dos pais a chorar com medo.
Desta vez a sensação era real. Parecia estar ainda mais frio
no pequeno quarto de hotel. Nem um som se ouvia no corredor ou mesmo na rua.
Abaixo da janela do quarto havia somente um jardim muito mal cuidado. A estrada
ficava do outro lado. Nem dos outros quartos parecia vir o menor som
O frio oprimia cada vez mais. Mesmo os dois pesados
cobertores não davam para aquecer. Voltar a adormecer seria difícil. O frio
tiraria o sono e havia algo mais. Artur sentia que não estava ali sozinho
apesar de não ver ninguém. A escuridão era completa, opressiva, pesada. A
cortina preta ainda se encontrava completamente fechada.
O quarto e a pequena casa de banho tinham luzes fracas, tal
como o corredor. Acende-las era uma solução mas o frio impedia-o de deixar o
parco conforto que a roupa da cama lhe dava. Mais valia ficar no escuro, do que
sentir ainda mais frio. Aquele quarto quase lhe fez lembrar a câmara
frigorífica de uma morgue. Esse foi o mote para que pensamentos macabros lhe
passassem pela mente. Nunca tinha visitado um espaço desses mas tinha lido o
suficiente para o desencorajar a uma visita futura.
Imagens macabras de corpos estendidos em mesas de inox
cobertos com lençóis que já não eram muito brancos povoaram-lhe a mente. Uma
onda de medo invadiu-o. Nem um candeeiro havia na mesa de cabeceira para poder
acender de repente. O telemóvel tinha ficado em cima da mesa. Para o ir buscar,
teria de sair da cama, colocar os pés no chão frio e enfrentar o gelo daquele
quarto que parecia aumentar à medida que os minutos passavam.
Resolveu afastar os pensamentos mais nefastos mas essa
tarefa era difícil. Concentrou-se em assuntos mais mundanos mas a sua mente
estava vazia de pensamentos bons. Tentou perscrutar melhor o ambiente que o
rodeava. Deu-lhe a sensação de uma corrente de ar gelado vindo da porta. Mas
ele tinha fechado a porta á chave. Ninguém a abriu certamente enquanto ele
dormia. Com a escuridão, não conseguia ver se a porta estava realmente fechada.
Talvez houvesse uma janela partida no corredor que fizesse corrente de ar e o
frio entrasse por baixo da porta. Essa era a explicação mais lógica.
Virando-se na cama, sentiu a corrente de ar vir de outra
direção. Ficou intrigado. Agora o ar gelado vinha da casa de banho que não
tinha janelas. Desta vez tinha de arranjar coragem para enfrentar o frio e o
que quer que oprimisse e alterasse o ar naquele quarto. Saltando da cama,
dirigiu-se à porta da casa de banho. Surpreendeu-se ao vê-la fechada. Ele
jurava que a tinha deixado aberta.
Com os dedos suados e a tremer, enfrentou o puxador da
porta. Este não se moveu. A porta parecia fechada por dentro, o que era ainda
mais estranho. O pavor começou-lhe a toldar as ideias. Como abrir aquela porta»?
O QUE DIRIA NO DIA SEGUINTE?
O melhor era
voltar-se a deitar. No dia seguinte, a porta da casa de banho estaria aberta e
tudo não teria passado de um sonho. Estava Artur ocupado com estas ideias
quando um ruído lhe fez gelar o sangue. A porta abriu-se e a luz acendeu-se.
Seria possível que alguém tivesse invadido o quarto enquanto ele dormia? Com
que finalidade?
Espreitando através da claridade, não havia ali ninguém.
Simplesmente a porta se abriu e a luz se acendeu sozinha. Quando Artur se
aproximou da casa de banho, logo a porta se voltou a fechar com estrondo e a
luz se apagou. Sem saber como, Artur viu-se arremessado com força na direção da
cama. Atónito, olhou para todos os lados mas escuridão foi tudo quanto viu. Só
podia estar a sonhar!
Um guincho suave voltou a despertá-lo dos seus devaneios.
Uma ténue claridade começou a invadir o quarto e agora o ar frio vinha da
janela. Olhando para lá, viu que a cortina preta estava aberta e a janela
também. Era impossível continuar assim. Havia que voltar a fechar a janela. O
frio era cortante. Apesar de ter colocado as mãos debaixo da roupa, já as
sentia dormentes.
Quando se deslocou na direção da janela, foi impedido por
uma espiral de ar gelado. Ficou sem reação. Petrificado, não conseguia tirar os
olhos do que se passava no exterior. No céu escuro havia uma marca encarnada.
Fazia lembrar sangue. As árvores do jardim balançavam mas não havia vento
suficiente para as fazer mover assim. De repente, algo se soltou de uma dessas
árvores. Algo que voou e entrou no quarto.
Talvez uma coruja ou um morcego.
Voltando a olhar na direção da porta da casa de banho, Artur
viu novamente a porta abrir-se e a luz acender-se. Num impulso correu para lá
mas o que viu gelou-lhe o sangue. De pé junto ao lavatório, encontrava-se uma
criatura vestida de negro. A sua cara desprovida de qualquer expressão humana
era de um branco glaciar. Ele lembrava-se da coisa que se soltou da árvorelá
fora. Era um ser pequeno. Esta criatura era mais alta do que ele e ele até nem
era baixo.
Tentou falar mas a voz não lhe saía. O terror toldava-lhe os
movimentos. A luz voltou a apagar-se e algo forte o agarrou. Tentou lutar mas
era uma luta de forças desiguais. O oponente era bem mais forte e todo o
esforço para se libertar era inglório. Viu-se arremessado com toda a força para
a rua. iria morrer. A queda era de um segundo andar. A criatura não o
arremessou na direção do chão, antes o atirou na direção das árvores. Tentou
ainda agarrar-se a um galho, o que conseguiu mas ficou horrorizado. Aquilo não
era uma árvore comum. Do seu tronco escorria sangue e as suas folhas eram
pedaços de pele. Contactando com elas, Artur começou a sentir o corpo todo
arder de dor. Talvez o contacto com a árvore lhe provocasse alguma alergia.
Tentou gritar mas saberia que ninguém o ia ouvir. Ficou ali
preso. Não chegaria ao chão. Talvez aquela árvore que lhe pareceu tão vulgar à
luz do dia fosse uma sanguinária planta carnívora. Era impossível se soltar.
Ele já fazia parte também da estrutura da árvore. Ele era a árvore.
No dia seguinte, atónitos funcionários de hotel, estranhando
a demora do hóspede em descer para o pequeno almoço, subiram ao quarto para ver
se lhe tinha acontecido alguma coisa. Encontraram a cama por fazer, a janela
fechada, a cortina preta corrida e os pertences do hóspede no lugar onde
ficaram na noite anterior. De Artur nem sinal.
Procuraram-no ao longo de dias, de semanas, de anos. Ninguém
mais o encontrou. O seu desaparecimento ainda hoje permanece um mistério.
O hotel entretanto fechou. Encontra-se á venda mas ninguém o
quer comprar. Preferem outros imóveis cheios de vida, com outra alegria e outro
aconchego. Dizem que o hotel está assombrado mas ninguém se atreve a ir lá
comprovar. O desaparecimento de um hóspede português há mais de dez anos é
narrado ainda com pormenores mais ou menos macabros. O que terá acontecido?
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