Hoje comemora-se o dia internacional do livro. Para mim, dia do livro é todos os dias. Sinceramente, não me consigo imaginar a viver sem ler.
Ainda há dias, refleti que comecei a gostar de livros praticamente desde que me conheço. Quando andava na escola primária, não gostava de brincar no recreio com as outras crianças. As brincadeiras disponíveis não eram do meu agrado. Foram muitos os invernos em que eu ficava a fazer companhia á professora enquanto ela tricotava em frente ao aquecedor. Eu tirava livros da biblioteca e ia lendo. Nessa altura ainda lia um pouco na diagonal mas já apreciava a companhia e o calor que os livros me proporcionavam.
Nessa altura, a professora lia para nós e eu ficava embrenhada nas histórias. Depois os livros escolares traziam histórias muito curiosas. Lembro-me de ter um livro da terceira classe que não era o adotado pela nossa escola mas eu andava sempre com ele até que ficou bastante surrado. Escusado será dizer que era um livro de Língua Portuguesa. Com um livro de Matemática não andava eu. Gostava particularmente desse livro devido aos textos que apresentava. Lembro-me de um que substituía as palavras por objetos e na altura apreciei isso. Já nessa época apreciava a originalidade das coisas. Tudo o que se afastasse da regra me fascinava.
O verdadeiro click no gosto pela leitura deu-se quando frequentava o sexto ano. Tínhamos uma professora de Português brasileira chamada Laura. Ela ás quintas-feiras ia buscar livros á biblioteca e distribuía pelos alunos. Cada aluno ficava com um livro. Depois trocavam. A leitura era retomada todas as quintas-feiras. Se o objetivo era fomentar o gosto pela leitura nos alunos, comigo conseguiu a cem por cento. Na altura já gostava de escrever. O gosto pela escrita em mim já é anterior ao gosto pela leitura.
Nessa altura, os dois livros que comecei por ler nessas aulas eram de autoria de Ana Maria Magalhães e isabel Alçada.
Passei para o sétimo ano e mudei naturalmente de escola. Comecei por requisitar os livros da coleção “uma Aventura” na biblioteca. Depois evoluí para outras obras, para Miguel Torga e para outros livros que fui achando interessantes. Curiosamente, as obras que era obrigatório ler para as aulas, não as lia. Não gosto muito de ler um livro por obrigação. Hoje sou capaz de ler obras escolhidas por um grupo de leitura mas é diferente. Ali havia aquela rigidez de terem sido outros a escolher as obras que lemos.
Continuei a ler. Houve uma altura em que li mais jornais e revistas desportivas do que livros mas não deixei de ler.
Nos bons e nos maus momentos, sempre os livros estiveram presentes. Enquanto esperava por uma consulta no hospital, levava sempre um livro. Na praia, um livro era presença obrigatória na minha bagagem. Afastava-me do convívio social para ler. Quando andava no ensino superior, durante os intervalos lia os livros sugeridos para as aulas. Ao contrário do que muitos faziam, eu lia esses livros de Durkheim e Boaventura Sousa Santos de uma ponta á outra. Sabia mesmo bem.
Houve uma altura em que o meu interesse pelos livros esmoreceu, não desaparecendo completamente. Surgiu então a oportunidade de adquirir livros através de revistas que os forneciam juntamente com os exemplares das suas publicações. Quando via que ofereciam livros, comprava as revistas. Depois comecei eu a comprar livros também. O meu gosto pela leitura estava no auge. Não ia a lado nenhum sem um livro. Era como se fosse a minha segunda pele.
Eu dizia sempre que parte do que eu ganhava era para livros. Dizia mesmo que os livros eram o meu tabaco e as minhas saídas á noite. Muitas vezes chamava tasca e antro de perdição a lojas onde normalmente ia esturrar o meu salário na aquisição de livros. Algumas vezes andava na rua e cheirava-me a livros. Como um alcoólico que passa junto a uma taberna, eu também tinha sempre de entrar e quase sempre saía pelo menos com um livro.
São muitos os livros que ainda tenho. Em finais de 2018, comecei a aperceber-me de estar a perder a visão. A primeira coisa pela qual chorei em silêncio em casa foi que não conseguia naquele dia ler o pequeno livro que tinha comprado. No dia seguinte já consegui ler um livro de uma ponta á outra e pensei que talvez as coisas não estivessem tão más assim.
Demorava cada vez mais a ler um livro. As coisas foram correndo, até que desisti. Foram cerca de dois meses sem ler. Já não conseguia ver as letras de nada, nem do computador para trabalhar. Comecei a substituir a leitura pela música.
À medida que o tempo passava, ia sentindo a falta de uma boa história, a vertigem de um bom livro. Quando deixei de ver completamente, sonhava em arranjar formas de continuar a ler livros. Sabia que os meus amigos tinham acesso aos livros digitais e audiolivros. Também queria continuar a ler. Dois meses depois, voltei a sorrir porque tinha oportunidade de ler livros digitais através de uma aplicação no meu telemóvel e noutros aparelhos para o mesmo efeito. Normalmente leio no telemóvel, pois é o que se encontra mais à mão.
Hoje considero-me uma leitora compulsiva de livros. Pode-se dizer que hoje tenho a vantagem de estar a ouvir um livro e ir imaginando cenas e personagens. Sou capaz de me abstrair com mais facilidade. Agora para mim um livro é uma viagem. É a porta que se abre para mundos inacessíveis de outra forma. É a maneira que tenho de ver sem o auxílio dos meus olhos danificados e da conexão que o meu nervo ótico não faz.
Dos prazeres que tinha numa outra existência, a leitura é talvez aquela que mais se adensou. Somente a companhia de um livro me faz feliz e hoje tenho a oportunidade de ter uma biblioteca inteira na palma da mão.
Vejo apenas aqui uma pequena desvantagem: não consigo encontrar todos os livros que procuro. Tenho uma extensa lista de livros que possuo em suporte físico mas não os encontro em formato digital. Quando sai um livro novo, ele demora sempre algum tempo em estar acessível para nós. Mas nem tudo é mau. Hoje posso ler obras variadas. Como disse, elas não ocupam espaço físico.
Hoje a leitura é parte integrante da minha vida e ainda mais que antes, um livro é a única companhia que me faz feliz. Se conseguiria viver sem um livro para ler. Provavelmente não.
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