Pediram-me para falar um pouco da minha experiência de ser deficiente visual. Tarefa difícil, essa.
Nunca aceitei o facto de ser diferente. Talvez porque, desde tenra idade, lidei com os constrangimentos de não ser como os outros e por sentir que iria ter uma existência difícil. Ainda não tinha seis anos e já sentia que pessoas como eu não tinham lugar neste Mundo que não foi feito para nós e nos intimida.
Comecei a sentir que as oportunidades não eram as mesmas. Embora sentisse que tinha talento até em mais do que uma área, o facto de ter baixa visão impedia-me de ser aquilo que ambicionava. Exemplo disso foram os sonhos e oportunidades que não tive na rádio que era uma das minhas paixões. Qualquer pessoa, muitas vezes com menor capacidade e talento que eu chegava a um estúdio de rádio e era quase imediatamente colocada a fazer programas. Para mim só restava a desconfiança, a compaixão até. Diziam-me que eu até tinha talento, mas não iam dar oportunidades a alguém como eu porque havia muita gente a perseguir também esse meu sonho.
Apesar de nos estudos ser até melhor aluna do que alguns colegas meus, eu hoje vejo-os a trabalhar na nossa área. A terem um emprego de sonho. Quanto a mim, nem sequer me foi dada a oportunidade de provar o meu valor. Só agora muito recentemente estou a fazer alguma coisa na minha área, mas faço-o por puro prazer quando o meu sonho era trabalhar mesmo ali.
Em contrapartida, as escolhas que existem para nós são sempre limitadas. É uma realização pessoal ter emprego, mas esse emprego não traz felicidade. No meu caso, sinto que não posso progredir. Não posso sair dali de onde estou e isso traz-me alguma tristeza. Ao mesmo tempo, vejo que as pessoas deixaram de valorizar o meu trabalho e era isso que me dava alento. Tendo as coisas mudado e o meu problema nos olhos se agravado, ponho em causa se valeu ou não a pena sacrificar-me tanto simplesmente para provar que sou uma pessoa capaz e produtiva. Quando o consegui provar, foi-me dado um fardo que, com o passar dos anos não fui capaz de carregar. Á medida que o tempo foi passando, senti que me desmotivava ainda mais. A falta de escolhas impediu-me de achar uma solução. Sempre tinha os meus projetos, mas, com a pouca disponibilidade que tinha, também foram ficando para trás.
Mesmo as atividades lúdicas estão praticamente fechadas para nós. As escolhas continuam a ser limitadas. Antes de piorar, sempre gostava de jogar um pouco no telemóvel ou no computador, de fazer alguma atividade ao ar livre, de passear um pouco e, sobretudo, adorava ver Futebol na televisão. Hoje sinto o Mundo cada vez mais fechado. Dou por mim a chorar quando me lembram das corridas que ainda há pouco tempo fazia na rua ou quando os meus jogadores favoritos marcam algum golo que tenha sido espetacular.
Também tenho sonhos que podem ser insignificantes para as pessoas comuns. O maior deles é o de conduzir. Muita gente admira-se de esse ser um dos meus maiores sonhos. Quando sonho que estou a conduzir ou simplesmente a andar de bicicleta, fico sempre dececionada quando acordo. Quem conduz todos os dias não dá valor a isso, mas eu, que não posso conduzir, adorava poder fazê-lo.
Viajar por todo o Mundo e conhecer pessoas de diferentes culturas também é um dos meus sonhos. Talvez a maneira de o conseguir seja através do Desporto que fomenta a união dos povos. Aí podemos conhecer outras pessoas como nós e fazer amigos. De outra forma, não será possível irmos muito longe.
A alternativa é a leitura, a escrita e a música. São estas três coisas que por vezes me fazem sentir bem, que me fazem sonhar, que me fazem viajar sem sair de casa. São atividades que minimizam por instantes todo o sofrimento físico e psicológico que a doença me proporciona.
Se a maioria dos meus dias são sombrios, alguns há em que a luz, por ténue que seja, tenta romper a escuridão.
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