Saturday, May 07, 2011

As lesões na cabeça e o Beira-Mar



Estava eu a escrever uns textos e, ao mesmo tempo, estava a ouvir a tarde desportiva na Antena 1. A certa altura chegou-me o relato inflamado por parte do jornalista da rádio que o guarda-redes do Liverpool estava gravemente lesionado e estava a ser entubado pelos socorristas.

Os jornalistas exageram muito ao relatar as coisas. Provavelmente estavam-lhe a colocar um daqueles dispositivos para ele não enrolar a língua, que é a primeira coisa que alguém faz quando fica inanimado. Explicaram-me isso durante a formação dos voluntários para o Euro 2004.

Minutos depois, o jornalista informa que o jogo está há muito interrompido e que a situação é arrepiante, com um jogador de campo do Liverpool (vendo bem, já não era o guarda-redes) ainda a ser socorrido dentro do relvado. Sendo um jogador de campo, para haver uma grande demora na assistência, a situação só pode ser grave. Segundo as leis do jogo, apenas o guarda-redes pode ser assistido dentro do terreno de jogo porque o jogo não pode iniciar sem a sua presença. Um jogador de campo só pode ser assistido no relvado caso se verifique uma situação de risco de vida iminente que impeça o jogador de ser retirado do local onde está. Tratando-se de um jogador de campo e não do guarda-redes (o jornalista da Antena 1 terá depreendido numa primeira fase que era o guarda-redes pela demora em reatar o jogo), a situação era grave mesmo.

Só quando o jogador foi finalmente estabilizado e retirado de campo é que o jornalista o identificou como sendo o defesa Jamie Carragher que abandonava o campo com um colar cervical. Nada mais soube sobre esse assunto. Após longa interrupção, o jogo foi reatado.

Chegou a hora de ver o jogo entre o Benfica e o Beira-Mar na televisão. O Beira-Mar! Relembrando o que se passou naquela tarde e o ambiente que se gerou, lembrei-me de uma tarde, escassos meses após a morte de Fehér, em que o guarda-redes do Beira-Mar Paulo Sérgio chocou com um colega de equipa, salvo erro, quando saiu da baliza para defender uma bola. Paulo Sérgio caiu mal e foi prontamente assistido por um colega de equipa, um central que estava por perto e que era checo, salvo erro. Até nem sei se foi com esse jogador que o guarda-redes chocou. Não me consigo lembrar do nome desse jogador mas parece que tinha alguma formação em socorrismo. Antes de os bombeiros se abeirarem da vítima, já o colega lhe prestava os primeiros socorros. A situação era tão grave, que a ambulância teve de entrar no relvado para recolher o guarda-redes aveirense.

Estava a ouvir o relato do jogo pela Aveiro FM. As recordações da dramática noite de Guimarães ainda pairavam na memória colectiva. O jogo já estava nos descontos quando se deu o incidente. A rádio aveirense assinalava os instantes finais do jogo sempre com a mesma música instrumental. Naquela tarde, aquela música parecia uma marcha fúnebre. Eu lembro-me perfeitamente disso. A voz embargada dos repórteres da rádio ajudava a compor o cenário.

Mais tarde vi as dramáticas imagens na televisão. A forma arrepiante como Paulo Sérgio caiu no relvado, o pronto socorro do seu companheiro, os socorristas a acorrerem para o local onde ele estava, a chamada da ambulância ao relvado, a retirada do jogador para o seu interior, o acompanhamento de perto feito pelo primeiro socorrista (o colega de equipa) que não o abandonou até ele entrar na ambulância e parecia estar a ser felicitado pelos bombeiros...

Paulo Sérgio continuou a jogar normalmente depois dessa tarde de Sábado. Provavelmente foi a pronta assistência do seu colega que lhe salvou a vida. Ele esteve sempre presente durante todo o processo de socorro do companheiro, aí se vê a matéria de que é feito um Ser Humano. Se a memória não me falha, esse jogador saiu em litígio com o Beira-Mar numa altura em que o clube aveirense estava em dificuldades.

Este foi o incidente mais grave que envolveu jogadores do Beira-Mar mas está longe de ser caso isolado. Outra situação mediática foi protagonizada pelo jogador argentino Maurício Levato num jogo no velho Estádio das Antas realizado a 23 de Fevereiro de 2003. Depois de chocar de cabeça com o central portista Ricardo Costa, o jogador da equipa aveirense caiu já inanimado na relva. Imediatamente se percebe que a lesão é grave, dada a imobilidade do jogador que ainda recupera os sentidos e ainda se tenta levantar dali, provavelmente semiconsciente. É notória a forma quase convulsa como o consegue. Também demoraram a transportar aquele jogador para fora das quatro linhas. Assim não dava mesmo. Tal só aconteceu, alegadamente, depois de o jogador perder novamente os sentidos.

Transportado ao hospital, nada de grave se confirmou para o jogador do Beira-Mar que alinhou sem problemas no jogo seguinte frente à Académica.

Ainda num jogo contra o Porto, salvo erro em Aveiro, o central do Beira-Mar Lobão teve de abandonar o jogo depois de, se a memória não me atraiçoa, chocar com um guarda-redes, penso que com o da própria equipa que era o francês Palatsi.

Dias depois, exibindo um colar cervical, Lobão deu uma entrevista aos jornais desportivos em que afirmava não se lembrar de nada do que acontecer. Em jeito de brincadeira, o brasileiro até usou a expressão “depois apagaram a luz”.

Recuemos mais ainda no tempo, até uma bela tarde de Domingo em que, num jogo com o Vitória de Setúbal, parece que o Beira-Mar teve de fazer três substituições forçadas (ou ainda não havia três substituições?). Já foi há tanto tempo que já não sei contar bem como foi. Penso que os dois centrais do Beira-Mar que eram Hugo Costa e Dinis chocaram ambos de cabeça e foram ambos parar ao hospital. Tenho uma ideia que o guarda-redes do Beira-Mar (Tó Ferreira) também se lesionou. Também não sei se foi no mesmo lance, se foi num lance em que saiu aos pés de um jogador do Vitória de Setúbal. De dois jogadores que saíram lesionados tenho a certeza. Mais tarde na televisão, sossegaram os amigos e familiares dos jogadores aveirenses lesionados, assegurando que eles se encontravam bem.

E está assim encerrada mais uma viagem pelas minhas memórias futebolísticas em que jogadores do Beira-Mar (que era o adversário de hoje do Glorioso) viveram situações embaraçosas e perigosas para a sua integridade em campo.

O jogador do Liverpool que originou esta minha viagem a estes momentos também não sofreu nada de grave. Foi mais o aparato do que outra coisa.

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