Wednesday, May 11, 2011

Matando e roubando pelas crédito do popozinho pago

É sempre um prazer regressarmos ao Texas. Já lá estivemos pelo menos umas duas vezes e foram duas experiências enriquecedoras. Pode-se mesmo dizer que não somos as mesmas pessoas sempre que de lá voltamos depois de mais um memorável apontamento de reportagem.

Ouvi dizer assim por alto que a nova coqueluche das televisões americanas era um concurso em que participavam pessoas com problemas para saldar as prestações do carro. Mediante respostas certas a uma série de perguntas, o cidadão de bolsos vazios (não é só cá em Portugal que os bolsos estão pelas ruas da amargura), têm automaticamente o que resta do carro pago.

No Texas (estado com umas leis muito próprias relacionadas com armas) assiste-se a uma variante desse concurso. Para se ver aquele carro pago, basicamente tem de se roubar outro e semear o pânico pelas ruas.

Fomos espreitar. Tinha de ser! Damos connosco numa rua onde há grande aparato. Um aglomerado anormal de gente junta-se em redor de um edifício. A polícia está presente e as televisões também responderam à chamada com grande pompa e circunstância.

Vemos um senhor engravatado a empunhar um microfone a abordar uma mulher de meia-idade. É Sue Johnson, quarenta e dois anos, desempregada, divorciada e mãe de quatro filhos. Para além de ficar sem o seu carro, também corre o risco de ver a casa esvaziada dos seus bens ou mesmo de ficar sem a própria casa porque deixou de ter condições de poder pagar os créditos que contraiu no tempo em que ainda era casada e em que trabalhava.

O apresentador abeira-se da “concorrente” com um capuz negro nas mãos e uma arma. Pergunta à concorrente se está preparada para o desafio das ruas. Á sua espera está uma potente moto que vai ser usada por Sue no roubo por esticão que vai efectuar. E é se não quer ficar sem o carro que tanta falta lhe faz, quanto mais não seja para ir ao McDonald’s mais perto de sua casa que fica a cerca de quinhentos metros.

Visivelmente nervosa, Sue coloca o capuz e o capacete, experimenta o motor da moto com duas ruidosas arrancadas e desaparece ao dobrar da esquina. Imediatamente atrás segue um carro de exteriores que tudo vai filmar. O concurso está a ser transmitido vinte e quatro horas por dia num canal da TV Cabo lá do sítio e pode ser visto por quem acha piada a essa espécie de concursos.

Através de um ecrã colocado nas imediações do mesmo edifício onde inicialmente nos encontrávamos, podemos ver a moto negra a deslizar a grande velocidade demasiado junto aos passeios. Há pessoas que se arredam à sua passagem. Sue espera a oportunidade de cometer roubo por esticão.

Dez minutos depois, Sue consegue surripiar uma carteira a uma de duas amigas que se passeavam calmamente pelo passeio. Imediatamente coreu para a zona do concurso para mostrar o resultado do seu assalto. A carteira não tinha dinheiro, apenas um cartão de crédito que não tinha código.

Sue deixou a moto e resolveu partir a pé de arma na mão. Lá partiu na direcção oposta à que tomou quando partiu de mota. De arma em riste e gorro enfiado na cabeça, a concorrente aproveitou as características de uma rua cheia de esquinas e recantos escondidos para se ocultar á espera das suas vítimas. Um idoso passou junto dela com uma bolsa que Sue lhe arrancou sem dó nem piedade. Quando a vítima tentou reagir, a concorrente empunhou a arma e ele logo recuou.

Sempre de arma em riste, Sue entregou ao apresentador o resultado dos seus assaltos. Para além da bolsa, havia duas carteiras de senhora e uma mala com um computador portátil. Foi o suficiente para ver a dívida do carro saldada.

Passemos para o concorrente Andy Childs que vai assaltar um banco e fazer reféns quantas pessoas lá estiverem dentro. Andy é um jovem de vinte e oito anos que tem ainda de pagar os estudos superiores que se encontra a frequentar. O seu fanatismo por automóveis de alta cilindrada levou-o a adquirir um carro desportivo de marca. Agora vê-se e deseja-se para cumprir as prestações da viatura. A possibilidade de vir a ficar sem a sua bomba amarela leva-o a fazer de tudo. O desespero é tanto que o levou a inscrever-se neste concurso. Estará disposto a matar só para continuar a passear pelas ruas no seu vistoso popó.

A Andy também é entregue uma arma, desta vez uma metralhadora, e um capuz. Ele só tem de se dirigir ao banco de cara tapada, empunhando a arma e tem de assaltar. Há uma dependência bancária a cem metros dali. O concorrente vai a pé. Pelas portas envidraçadas do edifício dá para ver que se encontra ali muita gente. Talvez não seja necessário fazer reféns mas o montante da dívida obriga ao rigor da prova. Há que fazer reféns e ponto final.

Sem experiência no ramo do crime e com um nervoso miudinho que já lhe afecta o aparelho digestivo, Andy acaba de transpor timidamente as portas envidraçadas do banco. Por ironia, trata-se da mesma instituição que lhe concedeu o crédito para o carro. Não sei se alguém pensou nisso ou se foi mero acaso.

Já se ouvem gritos histéricos vindos da direcção do banco. Já há pessoas debaixo das mesas e funcionários debaixo dos balcões. Homens de gravata em desalinho tentam colocar enormes malas negras em cima dos balcões. O concorrente empunha a arma. Há uma velhinha já desmaiada no chão. Ele arrasta-a e encosta o cano da arma ao seu pescoço. Já se ouve ao longe o murmúrio dos carros da Polícia.

Ouvindo a Polícia a aproximar-se, o concorrente ameaça matar toda a gente se acaso as forças da ordem irromperem pelas instalações do banco adentro. A Polícia entra. O assaltante pega na arma e começa a disparar indiscriminadamente. Há mortos e feridos. Perto de duas dezenas de pessoas foram atingidas. A televisão entra e a Polícia vai-se embora quando lhe dizem que se trata de um concurso. Para além de pagarem o carro ao concorrente, ainda lhe oferecem outro melhor ainda pela bravura e impiedade demostradas durante o assalto.

Hal Baxter é outro dos concorrentes desta série a que assistimos. Tendo ficado desempregado devido a uma inesperada doença que lhe prolongou a baixa por mais de um ano, este viúvo de quarenta anos ainda se encontra a pagar o carro que foi destruído no acidente que vitimou a sua esposa há cerca de cinco anos. Para complicar as coisas, o concorrente ainda ficou com a filha pequena para cuidar. Conta com a ajuda dos pais e dos sogros mas eles recusam-se a pagar o carro.

A Hal é entregue uma arma branca e um capuz negro. A faca é enorme e de lâmina afiada. Intimida qualquer um. O desafio de Hal e simples; tem de ir ao outro lado da rua, ao parque de estacionamento e roubar um carro. Se o método for por carjacking, o concorrente sairá com um carro novo, uma vez que nem tem viatura própria. Desloca-se em transportes públicos, a pé e de bicicleta.

O parque está vazio de pessoas e apenas estão lá dois veículos estacionados- um encarnado e um cinzento. Nenhum tem as portas abertas. Há que esperar que cheguem os donos ou esperar que mais alguém ali venha estacionar.

Está a chegar uma carrinha branca de uma empresa. O concorrente pergunta aos responsáveis do concurso se aquela carrinha serve. Eles respondem afirmativamente. Com ar ameaçador, o concorrente abeira-se do condutor da carrinha que pertence a uma empresa de materiais de construção. Mandando o condutor ir para o banco do passageiro e tapando-lhe a boca com uma mordaça, Hal conduz a carrinha freneticamente em direcção a um descampado onde abandona a vítima e segue para junto da equipa do concurso. Foi um bom trabalho. Hal acaba de ganhar um carrito para as suas deslocações e fica com as dividas do antigo pagas.

De referir que o condutor da carrinha teve de apanhar três autocarros para voltar até ao lugar onde foi assaltado. A carrinha estava a uns metros dali junto à equipa de televisão.

E assim terminou a nossa reportagem que visou cobrir as filmagens de uma emissão do concurso que faz furor e ,ao mesmo tempo, semeia o pânico pelas ruas do Texas. Para o dia seguinte estava marcada mais uma ronda em que uma senhora aí com uns sessenta anos iria assediar um homem muito rico para conseguir dinheiro, um jovem iria burlar a primeira pessoa que encontrasse na rua e uma psicóloga iria hipnotizar um indivíduo, conseguindo tudo o que quer dele, inclusive o código do cartão de crédito. A não perder!

Nós é que não podíamos perder o avião e, com muita pena nossa, não pudemos assistir também à gravação destes episódios com bastante potencial para prender o telespectador.

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