Wednesday, May 02, 2007

No cemitério

Que medo! Mas que importância tem estar sozinha no cemitério quando já escurece?!! Sei que muita gente já acordou sobressaltada, lavada em suores frios e com o coração pronto a sair do peito. Tudo porque sonhou que se encontrava no cemitério a altas horas da noite.

Eu não sonhei. Aconteceu mesmo. Eu nem quero imaginar se a minha irmã não tivesse ido embora e tivesse acompanhado a minha prima, que não pôde assistir ao funeral por estar a trabalhar, ao cemitério. Ia ser lindo! Não estava a minha irmã, fui eu.

Foi assim: no final das cerimónias, outro familiar deu-nos boleia até casa. Algum tempo depois, uma prima nossa que vive no Luso trazia velas e flores para colocar nas sepulturas. Ela não sabia bem onde era o cemitério e pediu á minha mãe que a acompanhasse até lá. Só que a minha mãe já tinha trocado de roupa e andava agora a tratar dos animais.

Eu ofereci-me para a acompanhar. Já estava a escurecer, mas isso não me intimidou. Que mal tem em ir para o cemitério de noite? Os mortos não incomodam ninguém!

A minha mãe tinha emprestado uma caixa de fósforos à minha prima, mas ela esqueceu-se deles no carro que tinha ficado estacionado alguns metros atrás da igreja, já do outro lado. Enquanto ela os foi buscar, fiquei então sozinha junto á campa da minha tia onde agora também repousam os restos mortais do seu filho.

Havia umas luzes laranja que não deixavam o local às escuras. Desculpem defraudar as vossas expectativas quanto à imagem preconcebida de um cemitério totalmente escuro. Pelo menos na Moita o cemitério tem umas luzinhas laranjas como as há nas ruas de Coimbra, por exemplo.

Uma brisa suave soprava naquele final de tarde e devolvia ás minhas narinas o cheiro da terra molhada e acabada de ser revolvida. As flores repousavam sobre a sepultura, indiciando morte recente. Eu estava ali naquele ambiente a pensar no que poderia ter acontecido se a minha irmã se apanhasse sozinha àquela hora ali. A espaços ia rezando por alma do meu primo acabado de ser sepultado sob aquele chão molhado. Ninguém andava por ali. Os mortos eram a minha companhia, digamos assim.

Nem uma ponta de medo me invadia. Eu que também tive pesadelos com cemitérios, tal como toda a gente. A realidade era bem diferente! Nada de pele de galinha nem de arrepios. Era como estar noutro local qualquer.

A minha prima regressou com os fósforos para acender as velas nas duas campas. Para além de alumiar a campa do meu primo e da minha tia, ela também guardou umas quantas velas parra colocar na campa da minha avó que desconhecia onde era.

Depois da passagem pelo cemitério, a minha prima resolveu ainda fazer uma breve visita a um outro primo nosso que se encontra no lar ali ao lado. Ela guiava-me pela mão porque já não se via nada. Só que acabou por ser ela a tropeçar num bocado de ferro que estava no chão. Íamos caindo as duas.

Depois da breve visita ao meu primo, regressámos a casa. Aquela aventura chegava ao fim. Como não irei ter netos para contar esta história, fica mesmo para contar aos presumíveis leitores do meu blog.

O dia foi todo ele dedicado ao funeral do meu primo. Um funeral cheio de equívocos, diga-se de passagem. No anúncio estava um horário, mas a cerimónia acabou por ter lugar uma hora mais cedo. Muita gente foi apanhada desprevenida.

Estive sozinha a guardar o caixão que não podia ser aberto devido ao estado em que a doença deixou o cadáver. O padre entrou para dar início ás cerimónias, mas trocou constantemente o nome do falecido. Foi preciso a minha prima, também prima do defunto, ir pela igreja acima e dizer ao padre que não era esse o nome do primo. Como ela é aquela criatura que se sabe, as pessoas pensaram que se tratava de mais uma das suas manias. Fez bem em o ir corrigir.

As cerimónias decorreram quase unicamente com a presença da nossa família que é bastante numerosa. A minha avó tinha onze irmãos e este meu primo era filho da irmã mais nova da minha avó. Hoje só a mãe da minha madrinha sobrevive já com mais de oitenta anos.

E assim decorreu um dia sempre marcante para qualquer família: o dia em que um ente querido vai a enterrar.

Situação do dia:
Não devia ser assim, mas num funeral também ocorrem factos hilariantes. Não passou despercebida a ninguém a presença de Pintinhas- o cão abandonado que acompanha a minha madrinha para todo o lado. Também ele velava com emoção o meu primo.

Bacorada do dia:
“Acho que eu acho…” (Sinónimo para a célebre frase “penso eu de que”.)

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