Tuesday, October 12, 2021

“gatos E Mais Gatos” (impressões pessoais)

 

Quem já me segue e se dá ao trabalho de ler religiosamente os meus escritos, algo que eu penso que pouca gente faz, sabe que sempre adorei gatos.

 

A autora deste livro- doris Lessing- também partilha essa paixão. Tal como ela, sempre vivi rodeada de gatos e revejo-me completamente neste livro. Ao ler, vou-me lembrando também de alguns gatos que passaram pela minha vida. Naturalmente uns mais marcantes do que outros.

 

A história de alguns foi escrita ao longo do tempo neste meu humilde espaço. A Feijoa é naturalmente e de longe a gata com mais citações neste meu local de desabafos. Ela também foi a gata que viveu mais tempo. Nasceu em 2004, tendo falecido em março de 2020. Provavelmente foi dos poucos gatos a morrer de morte natural. A maioria dos gatos lá em casa tiveram na estrada o seu destino fatal. Foram momentos de grande apreensão.

 

Ainda tenho gravado na memória o dia 20 de dezembro de 1988. Tínhamos uma pequena gata tartaruga chamada Juju. Eu andava na rua a brincar com bolas de natal. Resolvi levar a gata para a rua e ainda hoje me culpabilizo por isso. Se a não tivesse levado para a rua, talvez ela não tivesse morrido assim. Estava eu do lado da vinha que existe em frente a minha casa. Não sei por que atravessei para lá também. Tive de me desviar porque vinha lá um carro a grande velocidade. Era um veículo branco ou cinzento. Um outro gato atravessou a estrada em corrida mas depressa me apercebi de um barulho atrás de mim. Olhei e vi com horror que a Juju agonizava na berma com a cabeça toda despedaçada. Fiquei sem chão. Limitei-me a correr para casa. A minha mãe surgiu aos gritos que ainda se agudizaram mais vendo a gata ainda viva a rebolar na estrada. Eu contei que ela corria atrás do outro gato. Ele passou e ela não.

 

Ainos mais tarde, tivemos outra gata preta e branca a quem demos o mesmo nome. Curiosamente e de forma horrível, teve o mesmo destino. Foi atropelada por um carro e lesionada no mesmo sítio- de um lado da cabeça.

 

Quem segue os primórdios deste blog lembra-se do Ju- um gato que sobreviveu a uma quase amputação de uma pata que não sabemos como aconteceu e depois a um atropelamento em que uma moto lhe passou por cima. Na noite desse dia, estava tranquilamente sentado ao lume como se nada se tivesse passado. Acabou por sucumbir, por incrível que pareça, a uma infeção provocada por uma dentada de um outro gato. Ju que era irmão da Feijoa, embora de uma ninhada anterior. Era de resto muito parecido com ela.

 

Da ninhada original do ju era o Max que comeu veneno para ratos em casa da minha vizinha. Ele que era uma espécie de líder dos outros gatos. A minha mãe quando fez obras em casa deixou propositadamente um buraco para os gatos acederem ao topo da gaiola da catatua. Era ali que eles vinham comer. Na altura eram muitos. A minha mãe não os encontrava para os matar, um facto que Doris Lessing também aborda nesta obra, o ato de matar todos ou alguns gatinhos das ninhadas. Sabíamos, para nosso desgosto, que parte deles acabariam esticados na estrada, como eu costumo dizer. Foi o que acabou por acontecer, embora houvesse exceções. Quando o meu pai vinha do trabalho, os gatos já o esperavam com o vício da comida. Só um é que se pronunciava, mesmo que estivessem lá dez ou quinze. Era sempre o max. Digamos que era ele que negociava diretamente a comida com o meu pai. Nem mais uma voz se levantava.

 

Também muito aqui falei do Mong, do Léo e do Slava. Era uma ninhada de três gatos que nasceram num palheiro mas o Mong foi entregue á Feijoa para ela o criar. O Léo não se conseguiu apanhar e acabou por ficar cá em baixo com o Mong e a Feijoa. A mãe biológica acabou apenas por criar um dos gatinhos- o mais bonito de todos. Eu não sei dizer de que cor era esse gato. Não era cinzento nem castanho. Era da cor de papel pardo. Curiosamente quem o matou foi o seu irmão Mong que era mau como as cobras. Não para as pessoas mas para os outros gatos. Andou muitos anos pelo lugar. Quando aparecia em casa, era para causar problemas, como aliás o comprova um vídeo que ainda existe no meu canal de Youtube. Nesse vídeo ele discutia ás tantas da madrugada com o seu irmão Léo que era cinzento como a mãe. Léo acabou também por desaparecer de casa.

 

Por falar em gatos que desapareceram de casa, algo que Doris Lessing fala também na sua obra, há um caso incrível. Tínhamos uma ninhada de quatro gatinhos, dois gatos e duas gatas. Um deles desapareceu quando foi ficando mais adulto. Não sei se alguém andou á procura dele. Uma noite, com tudo em silêncio lá em casa, ouviu-se um estrondo enorme. Como o meu pai combateu na Guerra Colonial, qualquer barulho que não  sabe identificar o assusta. Aos gritos perguntou-me o que tinha sido aquilo. Eu respondi que não sabia e ele ficou ainda mais irritado.

 

Foi então que vimos a gaiola da catatua literalmente virada ao contrário. Alarmado, o meu pai ainda ficou mais assustado. Mas como é que a gaiola despencou dali abaixo. Ouviu-se algo a mexer por entre os sacos da ração dos animais. Algo que se mexia despreocupadamente. Olhei e vi que era o gato que já não era lembrado lá em casa há muito tempo. Ele era muito mansinho, mesmo estando fora tanto tempo.

 

Apareceu ainda uma vez ou duas mas houve um tempo em que deixou mesmo de aparecer. Passaram-se dois anos ou algo assim e apareceu um gato castanho lá em casa. A minha mãe admirava-se de o gato ser tão mansinho. Pudera, era o nosso. Ele estava um pouco mudado. Era já adulto. Houve características que manteve e o denunciaram. A forma pachorrenta e molengona de ser foi uma delas. A outra era a forma como apoiava as duas patas uma de cada lado nos nossos ombros quando lhe pegávamos ao colo. Era uma forma característica desse gato. Como refere Doris Lessing nesta obra, os gatos têm as suas características individuais. Imagens de marca só deles. A minha mãe não acreditava que o gato era o mesmo, filho da nininha. Era ele mesmo, garantia eu. Apareceu com uma orelha cortada. Ele não tinha nome quando saiu de casa, a partir dali passou a chamar-se Van Gogh. É com esse gato que estou ao colo quando a RTP fez uma reportagem comigo sobre o Desporto em 2003. Realmente só esse gato, mais calmo que os outros, para eu ter ao colo com a luz da câmara de filmar mesmo á frente. Ele ronronava satisfeito. Não era nada com ele. Tal como os demais, teve o seu fim na estrada. Também, devido á sua forma pachorrenta de estar na vida…e na morte, pelos vistos.

 

Por falar em nininha, ela era filha de Bobocas, uma gata toda preta, sem um único pelo branco, como descreve Doris Lessing sobre a sua própria gata preta. Eu lembrei-me muita vez da Bobocas. Nunca foi encontrada, nem morta, nem viva. Tinha catorze anos quando não soubemos mais dela. Digamos que ela acompanhou a nossa infância e connosco cresceu. Era irmã de um gato preto que terá sido o primeiro que vi esticado na estrada. Quase lhe arrancaram a cabeça. Ainda me lembro. A minha mãe andava com baldes de água a limpar a estrada. Tal como a Feijoa, bobocas sabia andar na estrada ordeiramente, daí não ter sido nunca atropelada.

 

Muitos e muitos gatos passaram pela minha vida. Tal como Doris Lessing, dá para escrever uma autobiografia tendo em conta apenas os gatos que passaram pelas nossas vidas.

 

Deixo naturalmente para  último a gata que reina atualmente em casa dos meus pais. Também terá sido a única que foi trazida intencionalmente de outro lado. A esmagadora maioria dos gatos lá de casa, ou nasceram lá no palheiro, ou apareceram lá. Neste último caso, eram muito poucos. Como referi atrás, o Van gogh não conta para a estatística. Houve uma ninhada inteira que foi resgatada de um pinhal. Era dessa ninhada que vinha a Juju de 2009. A Adie foi trazida pela minha irmã de Estarreja. Na altura estava  lá a trabalhar e havia ninhadas inteiras de gatos a vaguear pelas ruas. Um dia encontraram um deles preso nos arbustos. Então a minha  irmã levou-a para casa. Era uma gata. A intenção da minha irmã era dar-lhe o nome da personagem de desenhos animados heidi mas no boletim veterinário de registo escreveram de outra maneira. Então ficou adie e é assim que se chama oficialmente.

 

Quando doris Lessing descreve neste livro as manias da sua gata, depressa me lembro da Adie. Foi esterilizada há alguns meses e desde então ganhou requintes de prima-dona. Imagine-se que a minha mãe compra postas de pescada propositadamente para lhe cozer. Não come outra coisa. Confesso que nunca vi um gato tão gordo e pesado na vida. Agora deu também para beber leite pela manhã, tal como fazia a Feijoa.

 

Um desfile de gatos todos muito diferentes. Tal como nós, seres humanos, cada gato é único, tem a sua própria personalidade, as suas manias, os seus medos a sua forma de estar na vida. ^Sem dúvida, são seres incríveis. Mais do que os cães, cujo seu comportamento quase se pode prever pela sua raça, os gatos são caixinhas de surpresas.

 

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