Uma das vantagens de agora ouvir o livro e não o ler com os olhos prende-se com a capacidade de deixar a mente viajar á medida que cenas do livro são narradas. Esta vertente torna a leitura mais atraente, podem crer.
Viajar para lugares onde jamais podemos ir e para épocas remotas faz-nos crescer enquanto leitores, enriquece-nos, faz-nos sentir como parte da história.
Eu almejava ler esta obra, não pela história em si, mas pelas paisagens arrebatadoras e ao mesmo tempo opressivas que a autora nos descreve. Viajo com ela no tempo e no espaço e, imagine-se, tomo as suas dores. A autora cresceu no seio de uma família conservadora que vincava bem o papel do homem e da mulher na sociedade. Ora a autora não se sentia pertencente a nenhum dos géneros. Hoje em dia, ainda há uma posição bem marcada entre os géneros, o que no meu entender é uma completa estupidez. As pessoas devem ter o direito de ser como são. Se hoje ainda reina o preconceito, imagine-se naquela época. Estou a falar dos anos trinta. Annemarie é obrigada a refugiar-se para fugir um pouco ao ambiente opressivo que não a compreende conforme ela é. Pode-se dizer que ela é bissexual, mas na Pérsia apaixona-se por uma jovem.
Ao longo da história, Annemarie descreve-se numa altura como sendo um homem e noutra como sendo uma mulher. Isso vem da sua indefinição quanto ao género a que pertence. Ela não sabe. Volto a referir que estávamos nos anos trinta. Hoje as coisas pouco mudaram. Talvez seja mais difícil para os homens experimentarem tal sentimento do que para as mulheres. Há uma pressão social maior para um homem que se identifique como mulher do que para uma mulher que se identifique como homem. A vida está difícil sempre para quem é diferente.
Posto isto, Annemarie refugia-se num local onde existe uma Natureza bastante opressiva. Talvez ela aprecie mais a opressão da Natureza do que a opressão das pessoas. Ela era considerada louca na época. Os escritores e os artistas, na minha opinião, têm a sua dose de loucura. São muitas vezes diferentes. Refugiam-se no seu interior e só assim conseguem criar, deitar cá para fora o que lhes vai na alma.
Annemarie, por muito Mundo que percorresse, voltava sempre às agruras da geografia da Pérsia. No fundo, ela apreciava um pouco o sofrimento. Experimentava o medo e a solidão talvez como preço a pagar por ser diferente.
Naquela altura, a Pérsia era pouco habitada. Só mais tarde é que se desenvolveram algumas cidades. Estou a lembrar-me que a cidade de Zanjan se desenvolveu cerca de trinta anos depois da passagem de Annemarie por aquelas bandas. Distâncias sem nenhuma alma humana são percorridas. Agora penso que não é bem assim. São paisagens ao mesmo tempo sombrias e arrebatadoras, as que são descritas por Annemarie neste livro. O estado de espírito da narradora reflete a forma como ela descreve o que a rodeia.
Talvez eu, se ali estivesse, apreciasse esta paisagem com outro estado de espírito. Concordo com ela. Escrever ali talvez seja bastante inspirador.
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