Wednesday, September 12, 2012

Catherine Walsh



Muita gente me perguntava se iria acompanhar os Jogos Paralímpicos. Como antiga atleta, achavam natural que eu o fizesse. Eu fui dizendo que talvez não acompanhasse a competição porque sempre acabaria por ver alguém conhecido. Alguém com quem confraternizei, alguém com quem passei momentos inesquecíveis, alguém que nunca mais voltarei a encontrar.

Uma coisa é deixar o Desporto por decisão própria, porque a idade já pesa, por opção de vida. Outra coisa é deixar o Desporto da forma como eu o deixei, por haver risco de perder completamente a visão por descolamento da retina. O Desporto a mim dava-me tudo. Dava-me o que a vida me tirou ou não me podia dar de outra maneira.. Dava-me a oportunidade de sair, de confraternizar, de me realizar enquanto Ser Humano. Enquanto andei no Desporto, foi-me mais fácil suportar o fardo da deficiências porque vivia simplesmente a minha vida como as outras pessoas vivem as delas.

Em 2008, a época dos Jogos Paralímpicos foi um suplício. Era para aí que tinha as minhas baterias apontadas. Assistir a provas dos meus amigos sem jamais os poder encontrar, desejando voltar a estar junto deles e não podendo magoa-me imenso. Não foi porque eu quis que isso aconteceu. Simplesmente aconteceu e eu não merecia uma coisa dessas. Assistir aos jogos Paralímpicos em 2008 foi difícil porque sempre via gente conhecida. A tristeza por ali não estar pesou imenso e desisti.

Este ano tudo estava a correr bem. Afinal de contas, os anos tinham passado e poucos atletas restavam dos que conheci. Foi até ver provas de Ciclismo em que estava a participar uma amiga minha.

Catherine Walsh é uma atleta da Irlanda que, tal como eu, também praticava várias modalidades desportivas. Conheci-a em 1998 no Algarve durante o Crosse das Amendoeiras. Lembro-me que na altura pensei que ela não via mesmo nada.

Voltei-a a encontrar um ano depois em Lisboa. Aí, no convívio que fizemos na despedida, um colega nosso do Norte já estava com uns copitos a mais e começou a dizer ordinarices em Português que eu não conseguia traduzir para ela. A ela eram destinadas as bocas. Ela começou por admirar-se de haver ali três atletas com o apelido Santos. Havia o António Santos (esse nosso colega), a Aida Santos e a Eunice Santos. Ela perguntou se éramos da mesma família. O Santos disse que sim e acrescentou alguns dados mais sórdidos. Eu ria-me e os outros nossos colegas portugueses também. A Kate viu que a conversa estava picante e, de um modo muito cómico, mandava calar o Santos que tinha vindo do Porto nesse último dia para a sua prova de lançamento do peso, bem a tempo de animar as hostes. Foi nessa animação que seguimos na mesma carrinha rumo ao hotel.

No dia seguinte, o Santos notou que eu falava com a Kate e disse para eu a chamar. Assim o fiz. Ele queira-lhe fazer uma proposta indecente mas na brincadeira. Comecei-me a rir por não saber traduzir para Inglês o teor dessa proposta. Por mais que pensasse nas palavras. Eram palavras bem portuguesas, digamos assim.

Voltei a ver a Kate em Vilamoura em 2000. É dessa altura que é esta foto. Lembro-me que ela partiu a meu lado no corta-mato. Nessa tarde andámos juntas. Lembro-me que queríamos passar por um local onde havia uma porta fechada que não consegui abrir. Ela abriu-a sem dificuldade. Eu e a minha falta de jeito.

A última vez que nos encontrámos foi em 2001 na Polónia. Lembro-me sobretudo de a ter mandado correr para cima enquanto eu também corria para cima, pelo lado oposto, tentando despistar o grupo fedorento dos iranianos.

Os iranianos, devido a questões culturais, não podiam ver uma mulher que logo lhes parecia uma ave rara. Já me tinham dito que eles eram assim. Eles davam-se com alguns dos meus colegas e eu também lá estava. Um deles logo engraçou comigo e eu até troquei lembranças com ele.

Nos dias seguintes, aparecia o grupo todo, cada dia com uma máquina fotográfica diferente, para tirarem foto comigo. No último dia, apareceram todos com uma máquina fotográfica muito sofisticada…mas com um cheiro insuportável. Até parece que não havia água no hotel para eles tomarem banho. Eu gostaria muito de ter visto a cara com que fiquei nessa foto (naquele tempo ainda não havia máquinas digitais). Certamente fiquei de nariz franzido devido ao cheiro horrível que aqueles corpos libertavam. Era justamente porque eles cheiravam mal que fugia deles.

Passado um pouco, eles chamavam-me mas viram a minha colega Catherine de calções curtos e ficaram indecisos sobre que caminho seguir. Ainda por cima ela estava com uns calções curtíssimos, o que para eles era algo do outro Mundo. Ao menos eu estava de fato de treino. Vendo o perigo, berrei à Kate que fugisse por cima. Eu trepei o lanço de escadas onde me encontrava. Eles ficaram parados. Eu ri-me com o efeito dos meus actos. Queria-os bem longe.

Foi a última vez que a vi. Vi-a agora a competir e, tal como em 2008, a tristeza apoderou-se de mim por não viver mais estes dias felizes.

Depois ainda pensei no Nélson Gonçalves que também participava nos Jogos. Lembro-me daquela noite em que eu, ele, a Aida e o seu treinador jogávamos às escondidas no quarto. Para enganarmos os parceiros, vestíamos a roupa uns dos outros enquanto a vítima contava para a induzir em erro. Quando chegou a vez de ser o Nélson a contar, o treinador dele sugeriu que saíssemos do quarto de mansinho. Ele ia falando alto enquanto nos procurava e nós escutávamos da parte de fora com mil precauções para não nos rirmos às gargalhadas. Tempos memoráveis que nunca mais voltam.

Há quem diga que eu sinto essa tristeza por inveja. Não, apenas me sinto triste porque me sentia bem ali e tudo isso me foi tirado. Foram tempos em que eu simplesmente me senti viva e realizada e senti que também eu tinha uma vida, não esse projecto de sobrevivência que sempre me acompanhou até então e hoje me acompanha.




2 comments:

Anonymous said...

I am so much excited after reading your blog. Your blog is very much innovative and much helpful.

Anonymous said...

Very awesome blog !! I couldnt have wrote this any better than you if I tried super hard hehe!! I like your style too!! it's very unique & refreshing…