Tuesday, August 31, 2021

“A Distância Até À Cerejeira” (impressões pessoais)

 

Mais uma obra tendo como protagonista uma jovem prestes a perder a visão. Esta é bem mais jovem do que a protagonista do livro que abordei no post anterior.

 

Mafalda foi diagnosticada com uma doença que a vai levar á cegueira. Dia após dia, ela confronta-se com a perda gradual da visão. Muitas transformações e adaptações tem de fazer. Ela toma a cerejeira que existe na escola como referência e é ela o seu refúgio. Ao longo deste processo, ela torna-se amiga de uma auxiliar da sua escola que tem um cancro terminal. Ambas lutam contra as suas enfermidades apoiando-se na amizade.

 

Mafalda vai-se apercebendo que já não é possível realizar atividades de que gosta. Em contrapartida, descobre outros dons. Até que surge o dia em que a cegueira se apodera da criança.

 

Devo dizer que este livro me marcou muito porque não há muito tempo passei pela mesma situação. Sendo ainda tão jovem, Mafalda terá lidado de forma diferente com a inevitabilidade da cegueira. Cegando na idade dela, será mais fácil conformar-se. Ainda foram poucas as perdas. Não tarda, vai-se adaptar. Uma pessoa adulta como eu jamais se conformará.

 

Por mais que o desfecho e o prognóstico de uma doença seja a cegueira total, por mais que nos preparemos para a chegada desse dia, é sempre um choque quando a escuridão se abate sobre nós. Mafalda acordou de manhã e constatou que já não via. Tentou esconder dos pais mas a cegueira é uma coisa que não se pode esconder. Eu escondi de todos o que se estava a passar comigo. Não quando fiquei cega, pois isso decorreu de uma operação mas andei seis meses ou perto disso a ocultar de toda a gente o que se estava a passar. No trabalho tentava corresponder, apesar de tudo isso ser penoso para mim. Andava em casa de luzes apagadas, até porque a claridade me feria os olhos. Ainda hoje me arrepio só de me lembrar desses momentos.

 

Quando dava conta que já não era possível fazer determinada tarefa, uma nuvem negra de tristeza cobria o meu coração. Lembro-me do dia em que estava a ver um vídeo de um jogador de Futebol e constatei que já não o conseguia seguir. Fui deixando de ver futebol na televisão, gradualmente deixei de ler a tinta e ler, como bem sabem, é o que eu mais gosto de fazer. Eu começava a ler um livro mas tinha de parar. No trabalho já nem conseguia ligar o computador, abrir os programas, quanto mais trabalhar de forma competitiva. Não desejo a ninguém o quão difícil é uma situação destas. Uma criança a viver uma situação destas também não é fácil. Há coisas que ficam para trás, perdas irreparáveis.

 

Quando finalmente a cegueira surge, ficamos sem chão, completamente perdidas. No meu caso, não foi acordar e constatar que não via. Surgiu uma dor que jamais vou esquecer. Uma dor lancinante daquele objeto que introduziram no olho a rasgar, a penetrar os tecidos, a romper vasos sanguíneos, a magoar a sério. Jamais vou esquecer o momento em que me deparei com a cegueira. Eu, que nesse dia percorri pela última vez sem bengala o caminho para a rodoviária…algo me dizia que esse dia seria nefasto para mim. Era como se já estivesse escrito. Mesmo antes de eu nascer.

 

Um livro que me fez refletir. Acreditem, passar por uma situação destas é bastante penoso e há que ser forte o suficiente para lidar com as perdas. Não é só a perda de visão. É todo um mundo, toda uma vida que fica para trás. Pode começar outra mas jamais tudo vai ser igual.

 

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