Tuesday, January 25, 2011

O quarto de um cego

Texto relacionado: “Novas e funcionais instalações”

Será que este tapete fica bem no quarto de um cego?” (Senhor Armando- mestre dos tapetes após concluir mais uma das suas obras)

O que deve ou não deve ter o quarto (ou a casa inteira) de uma pessoa cega já a seguir num impressionante e medonho pesadelo. Antes disso vou contar a minha viagem onírica por um local onde eu estaria indubitavelmente neste dia quando acordasse- os Covões.

Começámos a ir aos Covões ainda muito novas. Ali algumas técnicas avaliavam as nossas capacidades cognitivas e emprestavam-nos ajudas técnicas para nos auxiliarem na vida diária. Os telescópios que eu hoje uso para ver o número do autocarro são disso um exemplo, apesar deste ter sido eu que comprei num evento que servia para os mesmos fins.

Em muitas dessas sessões também desenhávamos ou levávamos algumas “obras” feitas nas nossas aulas normais da escola. Recordo-me de, em certa ocasião, uma das técnicas ter mostrado o desagrado por um desenho meu já não ir a tempo de participar num concurso de desenho para crianças com baixa visão que ia decorrer na Grécia. Mais tarde a minha capacidade para desenhar apesar da pouca visão que eu tenho foi reconhecida por mais do que uma pessoa. Por outros motivos esgotaram-se mais uns momentos de fama. Depois ainda fiz um desenho que está algures neste blog para uma campanha de sensibilização. Também estava espectacular.

No sonho fui confrontada com alguns desenhos que encontraram e que diziam que eram meus ou da minha irmã. Depois de insistente procura, as técnicas encontraram um vasto conjunto de trabalhos de pintura bastante coloridos.

Eu também não me lembrava de quem eram tais desenhos mas sempre fui explicando a técnica usada para conseguir cada uma das obras.

Agora vem a parte pior. Por acaso a casa do psicólogo da ACAPO é perto mas daí a ser como eu a vou descrever…para um casal de cegos com duas crianças pequenas seria completamente desajustado terem uma casa assim. Para dizer a verdade, ninguém sem ser em sonhos conseguiria viver num local como aquele. Vou mais longe e afirmo com toda a certeza que não existe nada que se assemelhe a esta casa.

A casa dos meus amigos era nova e o psicólogo convidou-me a entrar. Já estava a anoitecer. Sem tecto e sem janelas, a casa dava para ver o campo no exterior. Dava a ideia de que era construída mesmo em cima duma árvore.

Constatei com assombro que não havia varões nem nada do género que nos impedisse de cairmos lá em baixo e nos despedaçarmos todos. Para cúmulo a luz era ténue. Que medo de cair!

Ele indicou-me um quarto no andar de cima. Mais um andar para trepar. Passariam a ser dois, os andares que distavam até nos esmagarmos no solo. Havia que trepar com cuidado. Qualquer deslize em falso e havia um negro buraco até ao rés-do-chão pronto para nos engolir. Pensava em como foi possível ele ter assim uma casa. O medo crescia.

O quarto era uma espécie de sótão. Lembrava um pouco aqueles quartos em cima de outros quartos que existem no Centro de Estágio de Rio Maior. Eu recusei-me sempre a ir lá para cima mas havia corajosas que não viam mesmo nada e iam para lá dormir. Aquele quarto era pior ainda.

Só uma cama com roupas cor-de-rosa desbotadas podia existir naquele aposento. Imediatamente a seguir era um abismo negro e aberto que nos sugaria até ao andar de baixo onde nos esmagaríamos no chão com toda a certeza. Um pé em falso ao sair da cama e era o fim.

Desesperada e cheia de medo de cair, agarrava-me à roupa da cama. Ao verificar que ela não tinha firmeza suficiente para me suster, agarrei-me também a uma enorme mala de roupa que estava mesmo à beira do negro precipício.

Que luta!

1 comment:

Anonymous said...

Gostei imenso desse teu sonho!