Monday, January 07, 2013

Lágrimas

Quando se juntam dois acontecimentos nefastos num só sonho, o resultado só poderá ser um enorme alívio por acordar sossegadamente debaixo das cobertas e constatar que tudo está normal.

Sonhei que a minha irmã havia morrido assim subitamente e que o seu velório era na sala de jantar. Toda a família estava em choque e a incredulidade dominava os sentimentos de todos pela perda inesperada. Ainda custava a acreditar que pudesse acontecer uma coisa dessas.

A angústia e o desassossego ainda estavam para começar. Na minha hora de almoço, numa esplanada na Praça da República, tinha um encontro marcado com quatro sócios de uma rádio para onde tinha enviado uma candidatura para fazer um programa. Estava muito esperançada no sucesso desta reunião. Seria o reavivar do maior dos meus sonhos, senão mesmo aquele que dá sentido à minha vida desde tenra idade. Ainda não desisti dele.

O tempo estava nublado e estávamos sentados a conversar. Os quatro sócios começaram a dizer mal do meu trabalho e mencionaram o meu passado, o tempo em que ninguém me dava verdadeiramente uma oportunidade de demonstrar o que eu sei fazer.

Humilhando-me e magoando-me assim em público, os indivíduos negaram-me a possibilidade de voltar a fazer rádio- o que eu tanto queria e que me foi brutalmente arrancado em 2004, quando finalmente estava a realizar o meu sonho pelo qual tanto lutei. Infelizmente a minha vida é assim. Tenho uma tremenda falta de sorte e desta vez foi o agravamento da doença e a reviravolta na minha vida que a ela se seguiu que ditaram o fim do meu sonho. Não a relutância em acreditaram nas minhas capacidades ou a falta de transporte como dantes acontecera.

Gostaria de fazer rádio, em part time, sem cobrar nada, apenas pelo prazer de realizar o meu sonho. Naquela época, estava de rastos devido aos problemas que me assolavam. Entrava ali para dentro para gravar os programas e outro brilho se notava nos meus olhos. Muita gente mo disse nessa altura. Era verdade. Eu sinto um prazer enorme em fazer rádio. A par do Desporto, foi uma das coisas que me custou deixar. Sem essas duas coisas, ainda hoje sinto que parte de mim se desmoronou e nunca mais se restituirá, mesmo que eu tenha agora sucesso e que consiga outros voos, nada me trará de volta essas duas coisas que perdi e que eram a minha razão de viver.

Lembro-me de uma ocasião, dias antes de ser operada aos olhos pela primeira vez, em que estava lavada em lágrimas. Entrei para o estúdio e saí de lá como se nada fosse. Esqueci por completo os problemas que me afligiam e que não eram nada poucos. Havia o medo e o risco de cegar totalmente.

Talvez por se estar a repetir (ou por eu estar a sentir que se está a repetir) a mesma história, com realização dos campos visuais, adiamento da consulta de Glaucoma para o mesmo intervalo de dias de 2004, o meu subconsciente vem agora buscar isto para me lembrar, como se fosse possível eu esquecer, que nunca posso dizer que estou bem, que estou feliz, que finalmente me estou a realizar, que tudo me corre lindamente mas que, num ápice, posso voltar a passar por tudo isto de novo. Naquela altura, quando tudo aconteceu, tudo me estava a correr bem, tal como agora ou mais ainda.

Se me volta a acontecer a mesma coisa, não sei se me restarão forças suficientes para me reerguer, para continuar. Não foi fácil continuar depois do que aconteceu. Ainda hoje não me conformo com o Destino que me trocou as voltas quando estava a ter tudo o que merecia de bom que a vida me pudesse dar. Estes sonhos lembram-me que tudo se perdeu e que para melhor as coisas não caminham.

Estava desolada no meu sonho. As lágrimas toldavam-me a visão. Os sócios riam-se de mim. Voltei para trás ainda para lhes explicar que não me tinham de dar salário, que não me importava de trabalhar de graça. Apenas queria ter o prazer de fazer um programa durante algumas horas. Nem assim. Afastaram-se a troçarem da minha cara.

Olhei para o relógio. Já eram três da tarde. Ainda me senti pior. Já deveria ter regressado ao trabalho há uma hora. Ainda demoraria cerca de quinze minutos a chegar. Tudo isto para quê?


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