Sunday, October 08, 2006

Um dia na praia com Betinha Irritante

A previsão meteorológica para aquele dia de Julho não enganava. Mais um dia em que não se podia estar em casa! O dinheiro não abundava e a família Andrade há muito que pôs de parte passar umas férias em locais paradisíacos como em anos anteriores. Em 2004 as férias foram passadas nas Antilhas Holandesas e em 2005 a República Dominicana foi o destino deste casal residente na zona de Cantanhede.

Mas nem só a crise financeira impedia Gervásio Andrade e sua mulher de irem para longe gozar o merecido descanso. O comportamento de sua filha de seis anos deixava muito a desejar e tornava a vida num inferno, não só aos pais, como a todas as pessoas que tinham o azar de se encontrar com aquela família.

Felisberta era uma menina insuportável. Era mesmo o tipo de criança que nenhum pai e nenhuma mãe sonhava ter. Nem nos piores pesadelos. Por qualquer coisa armava uma birra daquelas que as pessoas de fora ouvem e dá-lhes vontade de esganar a criança. Essa sua característica valeu-lhe a alcunha de Betinha Irritante.

Gervásio Andrade decidiu naquele dia que se previa quente pegar nas coisas e ficar mesmo por Mira. Se a filha se portasse mal sempre poderiam vir para casa a qualquer altura. E acham que a criaturinha alguma vez na vida se portava bem?

Começou logo antes de sair de casa porque cismou que queria levar um biquini encarnado. Na verdade ela nem tinha nenhum dessa cor, mas gritou, esperneou, acordou os vizinhos porque exigia um biquini vermelho. Vá lá, é benfiquista! Para ela se calar a mãe prometeu que quando chegasse a Mira lhe compraria um.

Pelo caminho o pai teve de parar para meter gasóleo no carro. Mais um pretexto para a Betinha começar aos guinchos que o homem da gasolineira teve de exclamar:
- “Se eu quando era miúdo fizesse uma coisa dessas, o meu pai tirava o cinto das calças e não me perguntava quantas é que eu queria.”
Envergonhado, Gervásio arrancou a grande velocidade e esqueceu-se de pagar o combustível. O gasolineiro correu atrás do veículo encarnado até não poder mais. Só desistiu quando se estatelou no chão de tão cansado que estava.

Chegados à praia tiraram as coisas de dentro da bagageira e seguiram a pé pelas escadas. A areia estava um pouco húmida e o tempo estava encoberto. Antes do casal montar a barraca, já a filha a tinha armado e de que maneira. Vira um chapéu-de-sol colorido que estava solitário lá longe quase ao pé do mar. Correu descalça aos guinchos pela areia e foi preciso o pai a ir buscar dando-lhe duas palmadas com a pá no rabiosque.

Gervásio lia descansado o seu jornal. A actualidade desportiva prendia-lhe agora os sentidos. Ao lado a sua mulher tinha pegado no sono. Nem faziam ideia que a sua irrequieta filha já andava novamente à beira-mar a apanhar conchas e pedras e entretinha-se a fazer pontaria às barracas e chapéus que já se encontravam ali àquela hora. Teve tanta pontaria que acertou justamente no joanete do pé descalço de um gorducho que ressonava dentro de uma barraca. Estremunhado o homemtentou levantar-se, mas a sorte da miúda é que ele era lentíssimo a mexer-se.

Depois foi num rádio que ela acertou. Por acaso tocava a música da Floribella. Ela até gosta disso. Dizem que é a altura do dia em que ela está mais sossegada. Ou ela não ouviu bem que música tocava, ou fez aquilo simplesmente para irritar a outra miúda que saiu debaixo do chapéu munida de uma pá a abarrotar de areia. Rapidamente Betinha correu aos prantos praia fora e acordou a mãe que dormia a sono solto.

O pai continuava muito descansado na sua leitura. Foi enquanto Betinha não se lembrou de atirar areia para dentro da barraca. Aí o pai voltou à Terra e mandou-lhe um valente berro que se ouviu na barraca ao lado onde dormia uma senhora muito chique que não queria barulho e mandou calar o Gervásio.

O Sol começava a aparecer e todo o cuidado com a pele era pouco. Gervásio deu à vontade duas voltas á praia atrás da filha só porque ela não queria colocar o protector solar. Foi um calvário! Todas as pessoas que passavam paravam junto à barraca da família Andrade para ver o que se passava para a criança gritar tanto.

Para o almoço o casal foi buscar dois frangos e um pacote enorme de batatas fritas. É que o dinheiro não dá para ir comer ao restaurante. A miúda deu um escândalo tremendo porque queria a parte mais tostada do frango e o pai comeu-a. E quem é que a calava? Já havia reclamações à boca cheia e tudo.

E uma sestazinha? Com uma criança tão enfadonha por perto nem uma pessoa afectada pela doença do sono conseguiria dormir sossegada. E ela com o sono é um diabinho. Chora, guincha até não poder mais, birra por coisas mais absurdas, sei lá....

Foi uma meia hora santa a que se viveu na Praia de Mira enquanto Betinha dormiu a sua sesta. Só que acordou rabugenta e capaz de irritar um santo. Como a comum das crianças queria ir para a água, mas ainda era cedo. E convencê-la? Depois queria um balde encarnado como o de uma miúda que encontrou. Ela e as coisas encarnadas!

Para completar, exigiu um gelado. Já cá faltava o gelado. Obviamente que a mãe não lhe fez a vontade até porque, se houvesse água não havia gelado e se houvesse gelado não havia água para ninguém.

Optou por ir à água. Trazia um biquini verde alface que dava nas vistas. Havia dois senhores que só estavam para molhar os pés. De calças arregaçadas pelo meio da perna, as duas criaturas não sabiam o que eram calções de banho e fugiam de uma onda mais forte que pudesse rebentar. Betinha encheu o seu balde de água e arrumou a um dos senhores que ficou completamente encharcado. O outro fez queixa ao pai da Betinha que logo a tirou da água. Claro que tal retirada não foi pacífica. A criança resistiu, berrou, barafustou, mas quem mandava era o pai que ameaçou que, se ela se portasse mal, iria para casa mais cedo.

Cinco da tarde. Era hora de arrumar as coisas e começar a pensar em ir embora. Betinha queria ficar mais um pouco na praia, mas a senhora da barraca ao lado deve ter ficado saturada de praia só porque teve o azar de estar ao lado de tão irritante miúda.

Outras crianças já se tinham vestido e Betinha avistou ao longe uma menina com uma saia da Floribella. Escusado será dizer que ela armou uma birra tremenda porque também queria uma. Os nadadores salvadores até vieram perguntar ao pai se precisava de alguma coisa, tal era o griteiro que a miúda fazia enquanto apontava para a outra criança que já se afastava.

Pela estrada no caminho de volta para casa, Betinha embirrava cada vez que o pai reduzia a velocidade. A toda a hora queria a música da Floribella e em alternativa gostava também de ouvir os D’ZRT. Se o pai ouvia Tony Carreira, ela logo gritava alto e bom som e lá ia o CD da Floribella pela enésima vez.

Eu não fui à praia. Fiquei a descansar que bem precisava depois do agitado dia que tive na véspera.

Recebi um telefonema de Lisboa por causa da ida à Holanda. Será desta? Tanto tempo a tentar...

Mais um jogo em que o Benfica jogou de forma horrível. Desta vez perdeu por 3-1 com o AEK de Atenas. Fernando Santos não teve um regresso feliz á capital grega. A jogar assim não sei onde o Glorioso vai parar. Nunca vi coisa igual no espaço de tão pouco tempo!

Bacorada do dia:
“Eu estava a ver que o estava a ouvir.” (que confusão!)

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