Tuesday, November 09, 2010

TV da minha infância



Estava eu a ouvir com um pouco mais de atenção esta música dos Táxi e logo a minha memória começou a viajar para um passado longínquo- o dos meus primeiros anos de vida, quando a televisão ainda era a preto e branco e só havia ainda dois canais.

Eu ainda sou do tempo (é engraçado, quando as pessoas começam a proferir esta expressão é um sinal claro de que a velhice está a chegar) em que em minha casa havia um enorme televisor a preto e branco. Foi o nosso primeiro aparelho de televisão. Lembro-me que a minha avó nos tinha dito que aquele senhor que ali estava vinha trazer a televisão aos meus pais. Deveria ter aí uns cinco anos ou menos nessa altura.

A televisão chegou a estar em cima de um móvel que terá sido pendurado na parede. Em casa de deficientes visuais, teve de dar mau resultado a televisão ali. Para eu ver televisão de perto subia para cima da mesa de madeira com séculos de existência, ainda do tempo do Poeta Cavador. Aos domingos dava programação infantil e lá estava eu em cima da mesa.

Lembro-me de ter caído da mesa duas vezes. Numa delas parti um dente (terá sido por isso que os dentes me começaram a cair muito antes dos seis anos). Da segunda vez magoei-me mais a sério. Lembro-me de ter um enorme golpe numa das frontes. Tempos já houve em que recordava na perfeição esse episódio. Agora ele foi apagado da minha memória, talvez para dar espaço a outros acontecimentos marcantes na minha vida.

Outro inconveniente de a televisão estar lá em cima era o facto de ser difícil desligá-la quando “cortava a fita” como se dizia lá em casa. Refira-se que na altura não havia comando. Quando a emissão era interrompida, era emitido um silvo desagradável que feria os ouvidos logo ao primeiro centésimo de segundo da sua audição. No ecrã aparecia um grupo de barras verticais que fiquei a saber mais tarde que eram coloridas.

Ainda me lembro de a televisão estar ainda na sala de estar. Quando eu e a minha irmã corríamos pela divisão ou saltávamos, apareciam uns riscos no ecrã. Era ali que a família se concentrava para ver a novela que na altura era só uma e dava a seguir ao noticiário. Só se seguia mesmo aquela e assim é que estava bem. Que saudades!

Quando nós já andávamos na escola primária a televisão já estava na sala onde está agora (a televisão principal porque existe uma no quarto dos meus pais e outra no quarto da minha irmã também). Obviamente que a televisão já não é a mesma.

Houve alturas em que só tínhamos escola de tarde. De manhã fazíamos os trabalhos de casa, brincávamos nas manhãs de verão ou simplesmente ficávamos na cama até mais tarde com a nossa avó. A emissão da televisão abria lá por volta do meio-dia. Antes havia música com uma imagem de barras e linhas no ecrã. Há tempos vi um Hi5 de alguém que tinha essa foto no perfil. Achei piada e admirei-me de alguém se ter lembrado disto.

A emissão abria com aquele hino que deve ser o hino da RTP. Numa ocasião estávamos na praia como os nossos vizinhos e vimos isso a passar numa televisão a cores- que para nós era uma enorme novidade- lembro-me que havia muitas tonalidades de amarelo. Uma descoberta tremenda.



Havia o noticiário por volta da uma hora, tal como há hoje. Depois voltava a passar música naquele fundo de ecrã que descrevi há pouco. Quando passámos a ter escola de manhã, descobrimos que, para além da música e daquela imagem fixa, havia também aulas- Telescola. Não sabia para que servia aquilo. Pensava até que era para dar explicações aos alunos com mais dificuldades. Depois vim a descobrir que era para os alunos de localidades sem acesso a escolas acompanharem as aulas.

Por volta das cinco horas a emissão abria novamente com os desenhos animados. Era o espaço mais aguardado por mim. Adorava “As Fábulas da Floresta Verde”, o Bocas e as histórias tradicionais.

Depois dos desenhos animados dava um concurso até ao telejornal. Hoje isso ainda acontece com o “Preço Certo”. O telejornal penso que nunca mudou de horário. Depois de actualizadas as notícias vinha então o tão aguardado capítulo da novela. Tínhamos de seguir aquela. Não havia tanta escolha como hoje. Naquela altura seguia a novela, hoje ironicamente não sigo nenhuma. Passaram a ser muitas. A última que acompanhei foi o ano passado- as “Chamas da Vida” com um espectacular desempenho da actriz Lucinha Lins como a vilã da história. Foi um espectáculo! Adorava-a a ver naquele papel. Ela está de parabéns.

Dependendo dos dias da semana, havia filmes, concursos, concertos...por volta da meia-noite havia um último noticiário e, tal como refere a música dos Táxi, a emissão fechava invariavelmente com o Hino Nacional. Refira-se que naquele tempo ainda não havia televendas e os filmes rareavam.

Uma coisa de que tenho bastante saudade, mas que hoje não acontece, é aquela situação em que se tem de tapar buracos. Hoje, por exemplo, se é impossível estabelecer ligação com um dado local onde se realiza um evento, a emissão segue com anúncios e mais anúncios até finalmente se normalizar o problema. Antigamente passava-se um clip que podia ser de música ou de apanhados. Lembro-me de um de canoagem que adorava ver.

Talvez por os programas obedecerem a uma rigidez de horário maior do que hoje (hoje, mesmo na RTP, não há um único programa que comece a horas) tinha-se de tapar os espaços vazios com alguma coisa. Passava-se música ou uma sucessão de imagens também elas acompanhadas de um tema instrumental.

De referir que só a partir aí de 1992 é que passámos a ter acesso ao Canal 2. Era preciso ter um suplemento de imagem para o captar porque esta zona não é muito propícia para a proliferação de sinais seja do que for. Foi nessa altura que eu passei a ser uma assídua adepta de Futebol. Como os jogos davam todos no segundo canal, não os podia acompanhar. O primeiro jogo nessas condições que eu segui foi um encontro entre o Boavista e o Belenenses da Época 92/93. Hoje quase todos os jogos dão em canal fechado e passou também a ser complicado acompanhá-los. Naquela altura já havia uma enorme dispersão de horários mas os jogos davam todos num só canal. Hoje é uma ginástica autêntica para acompanhar a nossa liga principal. Na minha opinião, esta é uma das razões pelas quais o Futebol está a perder adeptos. Nem o relato de alguns jogos dá na rádio!

Na minha infância e adolescência ainda via cinema. Depois que passei a ver apenas de um olho deixou de ser possível eu seguir um filme, a menos que seja um filme português. Antes ainda lia as legendas, agora é impossível. O cinema passou a não me fascinar. Gostava essencialmente de séries policiais, mais do que filmes. Uma das séries que acompanhava com mais assiduidade era “O Polvo”. Também acompanhei Twin Peaks. Na minha infância vibrava com “O Justiceiro”.

Para o fim deixei aquilo que mais gostava de assistir pela televisão. Para os seguidores assíduos e atentos deste blog tal não constitui surpresa. Eram os programas de música que eu não perdia por nada. Decorava tabelas de vendas completas e guardo ainda hoje na memória alguns videoclips que me fascinavam e músicas que nunca mais ouvi e não consigo voltar a ouvir de novo por não me recordar dos títulos. Aquele tema do Elton John (mais famoso cá pelos meus lados por causa do videoclip) é o exemplo mais gritante mas há por aí temas que eu nem sei o nome do artista ou grupo que os cantou. Lembro-me de uma música que tinha um videoclip fantástico que começava com alguém que entregava um CD a outra pessoa. Só vi aquele videoclip e ouvi aquela música uma vez mas nunca mais me esqueci porque antes havia sonhado com uma situação semelhante. Se eu soubesse o nome de todas as músicas de que me lembro, acho que o pessoal das Manhãs da M80 me iria erguer uma estátua. Fartam-se de pedir aos ouvintes que sejam originais, que puxem pela memória e sugiram aquelas músicas de que ninguém se lembra. As pessoas acabam sempre por pedir as mesmas ou dos mesmos artistas. De vez em quando lá alguém se lembra de coisas mais bem elaboradas que eu prontamente tenho assinalado aqui neste espaço. Se calhar as pessoas também são como eu. Provavelmente lembram-se de mil e uma músicas mas não se lembram dos títulos ou de quem canta os temas.

E assim foi mais uma viagem alucinante aos meus tempos de menina. Ao tempo em que só havia um canal de televisão, uma novela para seguir e não havia comando. Não sei como é que o meu pai sobreviveu a esses tempos conturbados. Hoje quatro canais não lhe chegam, quer assistir a todas as novelas ao mesmo tempo e não vive sem o inseparável comando para que lhe seja possível acompanhar o maior número de filmes e novelas possível em simultâneo. Quanto a mim, pouco ligo à televisão hoje em dia. Prefiro o rádio, o computador, o leitor de mp3 e os livros. Assisto unicamente ao noticiário das oito na RTP1, às reportagens no mesmo canal, ao “Quem Quer Ser Milionário” e a eventos desportivos. Onde eu estou tem TV Cabo mas o tempo escasseia para usufruir dela. Também não é a dedicar-me a escrever textos tão longos como este que irei almejar tal disponibilidade.

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