Thursday, February 18, 2010

Fuga do Haiti



Antes de começar com a descrição de mais esta aventura onírica, convém fazer aqui uma pequena introdução, se é que já não a fiz há tempos atrás neste blog.

Não encontro explicação para este fenómeno mas em sonhos tenho pavor a coisas que na vida real pouco ou nada me impressionam. Fujo de tempestades, de preferência com relâmpagos e com muita chuva, porém quando troveja coloco-me num local seguro a observar a trovoada. Sempre fui assim de pequena. O medo que tenho da trovoada nem sequer chega a ser medo, apenas tomo precauções porque os raios podem matar se andarmos na rua desprotegidos. Quando soube que um jogador na Sérvia, há uns anos atrás, morreu durante um treino porque um raio lhe caiu em cima, evitava ir treinar com trovoada. Ficava em casa e observava-a pela janela.

Mais esquisito é o pavor em sonhos a ambulâncias. Desde muito pequena que tenho esse tipo de pesadelos e um deles está algures descrito neste blog como sendo o pior sonho que tive na vida. Ante de ser operada ás amígdalas tinha crises terríveis. Se sonhasse com a passagem de várias ambulâncias na estrada (como naquele sonho), comboios ou outro tipo de veículos, era sinal de que iria ter febre dali a dias. Quase nunca falhava. Com o tempo e com o problema resolvido esses sonhos passaram a ter outro significado. Fui viver para a cidade e sonhar com carros a passar uns atrás dos outros na estrada passou a ser completamente inofensivo. Com a paixão pelo Ciclismo e pelo Atletismo, esses carros, esses comboios e até essas ambulâncias foram sendo substituídas por provas de bicicletas e corridas. Algumas também aqui estão descritas.

Desde Março de 2007, altura daquele pesadelo (ver texto “Foi horrível” na tag de Sonhos para onde vai também este texto) o pavor a ambulâncias nos sonhos regressou.

O medo dos mortos, de cadáveres e de tudo quanto esteja relacionado com a morte também é um desses exemplos. É este elemento que interessa para este sonho e funciona como os elementos atrás descritos. Foi esse medo dos mortos quase obsessivo que tornou possível este pesadelo dividido em muitas partes por eu ter acordado e adormecido sem perder o sentido do sonho.

Já tenho feito voluntariado em muitos eventos, sobretudo desportivos. É aí que eu posso ajudar melhor. Nunca me meteria numa acção humanitária do género das que acontecem nas catástrofes naturais ou nas guerras, não por ter horror a mortos, mas simplesmente porque há gente mais capacitada do que eu. Não seria agradável andar pelo meio de destroços e cadáveres mas não era isso que me ia demover de ajudar quem quer que fosse.

E no entanto convocaram todos os voluntários para irem prestar ajuda para o Haiti. Voluntários à força, se calhar. Éramos um grupo enorme de pessoas que partiu de Coimbra e que andava assinalado com uma t-shirt branca que eu não me lembro o que dizia.

Paro aqui a descrição do sonho para dar outra explicação. Como habitualmente, vou enquadrar o sonho no que se passou na realidade. Em primeiro lugar e a principal causa do pesadelo foi a ida dos meus vizinhos ás urgências dos HUC por causa do problema do olho da minha vizinha. Inevitavelmente começou-se a falar no medo de que o elevador descesse até ao piso onde fica o Instituto de Medicina Legal ou a morgue. Houve gente aqui que apanhou grandes sustos com isso. Eu fui dizendo que, se um dia me acontecesse uma coisa dessas, não teria qualquer espécie de medo. Vi fotos de corpos mutilados nas guerras dos Balcãs, no outro dia eram quatro da manhã e eu a ler livros policiais com cenas passadas na morgue, costumo ir ver os mortos em cada funeral onde eu vou…Aliás, o espaço vem precisamente da descrição desse livro mas com pormenores arranjados noutro lado pelo me subconsciente. Mas onde? Já digo.

Na segunda-feira passou uma reportagem na TVI ainda sobre o sismo do Haiti onde se viu uma vala comum enorme muito mal feita. Se tivessem feito como Elias no livro “O Monte Cinco” de Paulo Coelho, era mais prático e evitavam de apanhar epidemias que de certeza que vão aparecer por lá. Numa situação como aquela queimar os mortos não seria nenhum disparate.

Continuemos agora depois desta explicação! Disseram-nos que ia haver turnos de voluntários e que por vezes tínhamos de acartar os corpos da morgue para a vala comum. Eu em sonhos arrepiei-me ao tomar conhecimento de tal coisa mas não estava sozinha.

E lá chegou o fatídico momento. O ambiente era aterrador e eu estava apavorada. Para além da t-shirt branca, vestia também umas calças pretas de ganga. Mais cinco ou seis pessoas que eu não conheço realmente eram os meus companheiros de ocasião e também estavam apreensivos tal como eu.

E lá tivemos de ir. Que remédio tivemos nós! O espaço ficava numa espécie de cave e o chão de tijoleira branca estava cheio de areia dos destroços provocados pelo sismo nos andares superiores. Os nossos pés em contacto com esse chão produziam um som também aterrador.

E lá andámos nós a percorrer esses corredores, a abrir e fechar portas a ver onde era sem nunca descobrirmos para onde ir. Tal e qual a personagem do livro policial, também andámos a explorar o espaço e as mesmas coisas que ela viu eram apresentadas aos meus olhos. Não vi mortos mas as prateleiras com os catálogos lá estavam, bem como os utensílios. Como não víamos ninguém, sentámo-nos num velho sofá que o pó dos destroços não deixava adivinhar a cor. Ali estivemos horas perdidas até que resolvemos ir embora dali.

No dia seguinte, já vestida com uns calções de ganga pelo joelho, ia novamente desempenhar aquela indesejada tarefa. Foi então que não sei o que aconteceu. Está pouco explicado. Coisas dos sonhos. Dei por mim com uns ferimentos que admitamos que foram feitos em destroços ou algo assim. Alegando estar doente, resolvi não comparecer e cavar positivamente dali para fora.

Meti-me a correr por ruas destruídas, passei pelo local onde foi filmada a reportagem da TVI, aquela rua onde uma casa completamente feita em pó jazia ao lado de uma que estava intacta. A rua estava deserta, apesar de ser de dia e de o Sol estar a brilhar. Continuava a correr como se não houvesse amanhã. Foi assim que acordei pela primeira vez.

Voltando a adormecer, o sonho retomou quase de onde tinha ficado. Por magia onírica, dali a nada estava numa sala de aulas algures em Coimbra sem ter mãos a medir para as pessoas que me abordavam para saber o que se tinha passado e como foi possível eu me vir embora assim. Mesmo pessoas que eu não via há anos quiseram felicitar-me por um feito heróico que eu nunca cheguei a saber qual era.

Para além dos amigos que vieram pessoalmente falar comigo, também estava constantemente a receber chamadas por telemóvel. Quando me perguntavam por que me vim embora de lá assim (mas assim como?) eu respondia que ali era o fim do Mundo, que não havia nada e que nada tinha lá que fazer.

Voltei a acordar e desta vez vinha a pé, com a mesma indumentária, ao pé de minha casa com o Sol a brilhar. Cheguei a casa e tinha uma surpresa. A gata Juju estava de volta. Ela que morreu tragicamente há meses. Enfim, fiquei toda contente. Afinal o que há de novo em casa é um cãozinho que por lá apareceu e que será para dar a uma prima minha.

E com o sossego do lar e a alegria de ter de volta a gata Juju depois de todas as peripécias termina a descrição de mais um sonho em que eu fui heroína sem saber a razão. Talvez por ter fugido. É uma hipótese.

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