Thursday, June 01, 2006

Ju: o fim de um resistente



Este não foi, sem dúvida, um gato qualquer. Foi um gato que lutou até ao último dia da sua vida contra tudo o que lhe aconteceu. Sobre o Ju haveria muito para dizer, mas basta resumir aquilo que foi a sua existência para entender o significado da expressão “gato com sete vidas”.

17(?) de Abril de 2002- Ju nasceu no sobrado de nossa casa. Era uma ninhada de três gatos (dois machos e uma fêmea que acabou por morrer devido a qualquer anomalia com que nasceu). Cedo Ju começou por se destacar dos irmãos através do seu mau génio e da sua beleza. Foi na sua infância que começou também a ter algum azar. Apanhou um problema nos olhos que é normal nos gatos. A minha mãe andou a tratá-lo com pomada. Quando a minha irmã viu aquele gato com cara de boneco de porcelana e uns admiráveis olhos azuis logo advertiu que não queria que o dessem a ninguém que ele era dela. Naquela altura toda a gente queria o gato, mas o meu pai também não o deixou ir. Foi ainda na fase inicial da sua vida que Biju (nome colocado pela minha irmã devido aos seus atributos físicos- depois ficou só Ju para ser mais fácil de chamar) semeou o seu ódio de estimação. Incrivelmente o seu maior inimigo era o seu próprio irmão Max. Por causa dessa guerra ele foi abandonado pela mãe muito cedo.

2003- Vieram os amores e os desamores com outros gatos. Ju começou a gostar das gatas e, por elas, metia-se em rixas com os gatos que existiam na altura e com os que vinham do lugar. Charmoso para as fêmeas, implacável com os machos assim era Ju. As discussões entre gatos ecoavam pelos quintais e vinhas junto à nossa casa até que Ju desapareceu num dia do quente Verão de 2003, A minha irmã andava a procurá-lo por todo o lado. Dizem que ele tinha lutado com o gato Van Gogh. Dias mais tarde ele apareceu à minha irmã ferido numa pata. Depois de ter comido e bebido voltou a desaparecer por mais alguns dias, voltando mais tarde já com aquele ferimento bem infeccionado. A pata quase foi arrancada. Nessa altura ele dormia dentro de casa para evitar discussões com outros gatos. Um encontro mais aceso com o irmão voltou a colocar a sua pata magoada em apuros. Só à custa de intensivos tratamentos Ju conseguiu melhorar.

27 de Novembro de 2003- Era um desassossego para os outros gatos terem o Ju por perto. Como qualquer gato lá de casa, Ju também atravessava a estrada de qualquer maneira. Foram estes dois aspectos que levaram a que ele fosse atropelado por uma moto. Estavam os outros gatos a comer. Chegou ele e estalou o verniz. Já na véspera se tinha armado uma discussão junto à fogueira que nem ele, nem os outros gatos se aqueceram. Por causa da comida foi uma guerra semelhante. Só que, desta vez, Ju foi acalmar para onde não devia- para o meio da estrada. Segundo o rapaz que o atropelou, já era tarde quando se apercebeu que estava o gato na estrada e sentiu mesmo o corpo dele debaixo da roda traseira. Ju entrou em correria para o interior de casa procurando um local para se esconder. Foi descoberto pelo rasto de sangue que deixou no chão. Horas mais tarde e para grande espanto nosso Ju estava vivo e já se sentava à fogueira. Esteve uns dias a recuperar- curiosamente no local onde a morte o veio buscar há poucos dias- e ficou operacional passado uma semana. A partir desse dia nunca mais se viu esse gato a atravessar a estrada quase a morder as rodas dos carros. Um dia escondi-me a ver o que ele fazia numa situação em que vinha um tractor de um lado e uma camioneta do outro. Ele foi sempre pela berma e quando viu os veículos a aproximarem-se saltou o muro do quintal. Foi por isso que eu sempre disse que o Ju não morreria na estrada como os outros gatos. Foi atropelado, sobreviveu e isso tornou-o um exemplo lá em casa.

2004- Não era portanto da estrada que vinham as ameaças para a vida do Ju. Era um gato que não tinha qualquer problema em desafiar os cães. Eram famosas as tareias que ele dava nos gatos do lugar que ousavam vir desafiar a sua autoridade conquistada depois da morte de Van Gogh atropelado por uma carrinha. Também era frequente encontrar o gato Ju nas terras e nos pinhais. Contam que o viram em cima de uma árvore bem alta a rosnar a um cão que estava em baixo. Em Setembro de 2004 Ju desapareceu novamente. Costumava andar por lá um gato amarelo enorme de uma senhora da minha terra. Esse gato passou a desfazer com porrada o Ju e o Max que também lutavam entre si. Passados alguns dias Ju regressou a casa lesionado de uma pata. Entretanto todas as noites havia barulho entre aqueles três gatos.

2005- Os anos começavam a pesar e Ju já não era aquele gato ágil temido pelos seus opositores. Até com o Max (um gato que mal sabe saltar um muro) perdia. As discussões entre ambos passaram a ser mais verbais, digamos assim. Há sensivelmente um ano atrás a minha mãe apanhou o Ju na rua todo feito num oito. Nem comia. A minha mãe chegou a rodeá-lo com não sei quantos tipos de comida. Tomariam muitos restaurantes ter assim tanta variedade.

2006- As gatas foram sendo atropeladas e as discussões aumentaram agora com gatos jovens e vigorosos nascidos em 2004 e 2005. O ano passado nasceu uma ninhada de três machos filhos da gata que morreu atropelada no dia 31 de Março (ver texto “Morte na estrada”). Apesar das relações entre Ju e Max terem atingido um clima mais pacífico, as desavenças com os gatos mais novos passaram a ser uma constante. Um novo Ju nasceu lá em casa com o mesmo mau feitio- se calhar até é filho dele. Mas a grande ameaça veio de um gato da vizinha de cima que era muitas vezes visto a disputar algo com Ju.

7 de Maio de 2006- Ju andava desaparecido pela enésima vez. Já nem ligávamos quando ele desaparecia. Teria ido para os pinhais ou teria levado uma tareia de outro gato e estaria ferido, escondido algures. Realmente estava. A minha mãe encontrou-o com um grave ferimento no pescoço já bastante infeccionado (ver texto “Dois emocionantes minutos”). Os meus pais tentaram por todos os meios salvar-lhe a vida mas, desta vez, a morte iria finalmente vencer.

11 de Maio de 2006- Ju não resistiu à infecção do seu ferimento e sucumbiu depois de ainda tentar resistir como das outras vezes. Chegava ao fim a saga do verdadeiro gato das sete vidas. A origem do ferimento que lhe roubou a vida é desconhecida. Aparentava ter sido uma dentada dada em cheio no osso do pescoço, daí ter infeccionado. Mas quem lhe terá mordido? Um cão ou outro animal dos pinhais? Outro gato? Desconfia-se que tenha sido o gato da vizinha. Se foi ele também não teve grande sorte pois foi também atropelado mortalmente num destes dias.

1 comment:

GK said...

O Ju era lindo e gostei de ler as suas histórias... Como saberás, também adoro gatos... Tenho seis!
Para a próxima, talvez a ajuda de um veterinário lhes salve a vida, não?...

Bj.