Friday, December 03, 2021

Quem é que é deficiente aqui?

 

Hoje comemora-se o dia internacional das pessoas com deficiência. Hoje está toda a sociedade muito sensibilizada para a nossa causa. E nos outros dias do ano?

 

O Estado, que era quem tinha a obrigação de nos proteger e zelar pelos nossos direitos, está-nos cada vez mais a empurrar para o fundo. Em  tempo de pandemia, mais se cava o fosso entre nós e os restantes cidadãos. Os direitos básicos de alguns de nós enquanto cidadãos de pleno direito não estão a ser salvaguardados, bem pelo contrário.

 

Vou falar aqui do meu caso. Neste momento estou simplesmente com a minha vida em suspenso. Tudo porque tenho junta médica agendada desde 2020 para atualizar meu atestado multiusos e continuo à espera. A partir de janeiro do próximo ano vou ver os meus rendimentos baixarem consideravelmente devido ao agravamento da minha situação que me impediu de trabalhar. Devido á não atualização deste documento por falta de junta médica não posso solicitar as prestações sociais a que tenho direito.

 

Mas afinal em que país vivemos? Que país é este que não protege os seus cidadãos e não lhes ameniza um pouco o sofrimento quando algum infortúnio lhes bate à porta?

 

Não sei quem é o culpado disto acontecer. Para além de todos os dias me confrontar com um quotidiano que é bastante diferente do que eu tinha antes de cegar por completo, vejo-me mergulhada na incerteza de como será o dia de amanhã. Se vou viver como qualquer cidadão, dentro das minhas limitações, ou simplesmente vou sobreviver tolhida pela ansiedade de não saber se viverei em condições dignas. Tudo porque me falta ir a uma junta médica para apresentar um relatório atualizado que prova o agravamento de uma deficiência que eu já tinha.

 

Conheci pessoas que cegaram recentemente. Pessoas que tinham vidas normais e até nem tinham qualquer problema de saúde. De repente, a cegueira bateu-lhes á porta. Alterou-lhes toda a sua vida. Precisam de produtos adaptados que as ajudem no desempenho das suas tarefas diárias. Não podem requerer esses produtos porque não têm nenhum atestado multiusos. Ainda estão piores que eu nesse sentido.

 

A pandemia não servirá de desculpas para este atraso nas juntas médicas. Já quando agendei a minha junta médica havia atrasos e estávamos em fevereiro de 2020. Não havia ainda pandemia. Já para aferir da legalidade ou não da minha baixa médica, no espaço de quatro meses, fui chamada três vezes. Mas andam a gozar?

 

Anda uma pessoa dez anos a trabalhar, a tentar ser útil, a viver com dores crónicas, desconforto por estar mais de oito horas à frente de um computador para depois, quando essa pessoa mais precisa, não salvaguardarem devidamente os seus direitos. Será que a Uni ´ao Europeia tem conhecimento deste autêntico atentado aos direitos humanos que se vive por cá. Estão a retirar direitos e dignidade a cidadãos que foram confrontados com provações já de si bastante grandes. Cada dia que passa é um dia de angústia, de cada vez maior desespero, de cada vez maior incerteza.

 

Viver assim é quase impossível. Não sei onde vou buscar coragem para enfrentar mais um dia de espera, mais um dia em que não vou saber quantos dias me faltam para que a pouca dignidade que ainda me resta ser perdida.

 

Tudo porque me falta um simples papel que deveria ser passado por uma junta médica que tarda em chegar.

 

Mas afinal quem é que é deficiente? Alguém que se esfolou a trabalhar, ficando para lá do horário de trabalho para  compensar os dias de maior azáfama ou aqueles que, não tendo deficiência nenhuma, se atrasam a fazer o trabalho deles, causando  prejuízos enormes a quem teve o azar de contrair uma deficiência ou, como no meu caso, agravou a que já tinha.

 

É desumano ser deficiente em Portugal. Gostaria que alguém me ajudasse a levar estes casos dos atrasos nas juntas médicas à Comissão europeia. Teriam de devolver todo o dinheiro que nos esta a ser sonegado com este comportamento altamente negligente de deixar cidadãos vulneráveis sem juntas médicas.

 

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