Era uma vez um menino chamado Mehdi que lá longe, bem longe gostava muito dos animais.
Os seus familiares haviam comprado há uns meses atrás um borrego com a intenção de o engordar para comer no natal. Já era tradição uma mesa farta com todo o tipo de iguarias. Depois era a azáfama do costume com embrulhos coloridos e presentes que faziam sorrir miúdos e graúdos.
Mas este ano, sendo Mehdi mais crescido, não ia deixar que fizessem mal aos animais, mesmo que fossem para comer. A família vinha dando conta de que ele se ia cada vez mais afeiçoando ao borrego destinado à Consoada.
Por ele o estar constantemente a alimentar e muitas vezes até seguia com ele alguns quilómetros para encontrar as pastagens mais nutritivas e verdejantes, o borrego engordava a olhos vistos. Dizia quem o via que este ano é que era. Borrego gordo à mesa era sinal de prosperidade.
O tempo foi passando. Mehdi ia sentindo cada vez mais tristeza por ver chegar a hora de se despedir do seu amigo borrego. Haveria alguma forma de mudar o seu destino?
Numa noite, mergulhado nos seus pensamentos, Mehdi adormeceu. Então sonhou que caminhava sem destino por um prado bastante verde na companhia do borrego de natal. O Céu estava azul e alegres melodias se faziam ouvir.
Foi então que teve uma ideia. Iria simplesmente fugir com o borrego. Quando chegassem junto ao curral, não o iriam encontrar. Eles iriam esconder-se até passar o natal. Depois apareceriam.
Claro que a ideia não iria agradar aos seus familiares mas havia que salvar o seu amigo de ir para a mesa na noite de Consoada.
Logo depois do almoço, já era tarde do dia 24 de dezembro, já se preparavam as coisas para a matança do borrego. Molhos eram preparados e condimentos enchiam de agradáveis aromas a cozinha.
Ficaria a faltar a carne. Se dependesse de Mehdi, não haveria borrego este ano à mesa. Se o que estava prestes a fazer desse certo, este ano só comeriam polvo.
Quando estava toda a gente distraída a apanhar lenha para acender o lume, Mehdi saiu com o borrego para o seu longo passeio. As poucas pessoas que o viram sair, sendo já habituais tais digressões, não ligaram. Apenas queriam o borrego no curral a tempo e horas para ser preparado. Ainda iria demorar um bom tempo a assar. Havia que despachar logo a matança.
O tempo passou e nem sinais de Mehdi ou do borrego. O desespero tomava conta das pessoas. O forno aquecia e o borrego sem aparecer para ir de encontro ao destino que o esperava.
Enquanto isso, Mehdi galgava quilómetros juntamente com o seu amigo que tencionava salvar. Quanto mais depressa estivessem fora dos limites da povoação, mais difícil seria encontrá-lo a tempo da ceia de natal.
Durante mais de duas horas, eles não pararam. Mesmo que surgisse na frente pastos verdejantes onde certamente o borrego se alimentaria. Haveria certamente tempo para isso. Apenas pararam duas vezes para o borrego e o menino saciarem a sede nos cursos de água límpida que foram encontrando pelo caminho. Depois voltavam a caminhar depressa, numa corrida contra o tempo.
Já estava a anoitecer e nada de borrego e de Mehdi. A família já estava desesperada. Os homens que foram enviados para os procurar regressaram de mãos vazias e vergados à escuridão cerrada que já se fazia sentir. Já não haveria esperança de haver borrego naquele ano à mesa da Consoada.
Alheio à desistência dos seus perseguidores, Mehdi continuava a andar, apesar do frio e do cansaço. Não sabia ao certo onde estava. Não havia casas no horizonte mais próximo. Voltar para trás estava fora de hipótese. Já não sabia ao certo quanto andou, quanto se afastou. Certamente muito.
Continuaria até encontrar um abrigo. A neve e o frio eram cortantes mas Mehdi estava feliz por ter salvo o seu amigo de morte certa e com ele passar uma noite diferente. Não se importava de ter perdido o aconchego do lar e a azáfama da abertura dos presentes. O maior presente era o seu amigo estar vivo e a seu lado.
Ao fim de algum tempo, uma estrela surgiu no Céu escuro. A estrela parecia brilhar de propósito para Mehdi e guiá-lo para qualquer lugar.
Inspirando-se na história dos Reis Magos, ele decidiu seguir a estrela, um pouco para se distrair do cansaço e do frio.
Passado algum tempo, avistou uma construção. Um forte cheiro a palha indicou que estava na presença de um palheiro. Certamente daria para ali pernoitar. Depois, no dia seguinte, regressaria a casa.
Aconchegado na palha, Mehdi adormeceu instantaneamente á medida que o calor o dominava. Sonhou que se viviam dias felizes, tudo era festa, luz, alegria. Todas as cores possíveis e imaginárias povoavam o seu sonho.
Acima de tudo, Mehdi estava em paz. Sabia que tinha feito algo de grandioso. Sabia que os animais também sentem, também podem ser amigos e merecem viver. Se pudesse, salvaria todos os animais do Mundo da crueldade dos homens. Um pequeno gesto podia inspirar mais pessoas no Mundo a fazerem o mesmo.
De manhã bem cedo, Mehdi logo iniciou a viagem de regresso a casa. Não sabia ao certo como iria encontrar o caminho mas também não estava com pressa. Saberia que lhe iriam ralhar e podiam mesmo colocá-lo de castigo.
Ao longo do caminho, pastagens verdejantes surgiram. O borrego saciou a sua fome sem pressa.
Sem estrela que o pudesse guiar, seria mais difícil encontrar o caminho. Mehdi tinha de pensar noutra forma de se orientar.
Resolveu andar ao acaso, sem pensar onde punha os pés.
Algum tempo depois, já com as pernas bambas, avistou um casario. Imediatamente reconheceu algo de familiar nessas casas. Sem saber como, tinha chegado a casa.
Já se preparava para ser castigado ou repreendido mas ficou admirado por as pessoas estarem reunidas em volta de uma fogueira á sua espera. As suas caras não eram zangadas. Um sorriso arvorava no rosto de cada um. Quando ele chegou mais perto, logo um forte aplauso irrompeu no ar. Muitos braços o quiseram abraçar ao mesmo tempo. Toda a gente lhe queria dar presentes, alguns deles improvisados. Mehdi não estava á espera desta receção.
Este foi o melhor natal na vida de Mehdi. Nunca antes havia recebido tantos presentes. Nem sabia onde os pousar. Toda a gente o queria cumprimentar pela boa ação que tinha tido naquela tarde ao fugir com o borrego.
A partir dessa data, nunca mais houve borrego na mesa de Consoada da família de Mehdi e em casa de outros habitantes da sua aldeia.
Boas Festas!
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