Friday, February 01, 2013

Perto duma caixa Multibanco

Partilho com todos os seguidores do meu blog mais uma história que se passou hoje de manhã comigo e que exemplifica bem o quão específico é o mundo da Deficiência Visual e a forma mais correcta de lidar.

Normalmente eu evito levantar dinheiro na rua por ser perigoso, especialmente nesta altura de crise em que a criminalidade aumenta à medida que aumentam as necessidades da população. Opto sempre por levantar dinheiro dentro de um edifício que possua caixas Multibanco. Sempre me sinto mais segura.

Na esmagadora maioria das vezes, opto por levantar dinheiro nas caixas do meu próprio local de trabalho que as possui. Assim evito de sair novamente à rua e correr o risco de ser assaltada por alguém que possa estar à minha espera sem que eu tenha reparado.

É início do mês e levantava eu dinheiro como faço todos os dias. Comecei por ir a uma caixa que não estava a funcionar e, assim que a outra ficou desocupada, lá fui levantar dinheiro. Estava com um pouco de pressa porque se aproximavam as nove da manhã- hora de entrar.

Estava muito concentrada a levantar dinheiro quando sinto aproximar uma sombra negra por detrás de mim. Sentia-lhe a presença. Estava de tal maneira perto, que me deixou completamente assustada.

Uma voz de mulher perguntou-me se eu precisava de ajuda e, incomodada com aquela presença tão próxima, eu respondi que apenas queria que ela se afastasse de mim. Fui brusca com ela mas tal se deve a um mecanismo de defesa que alguns de nos desenvolvemos para nos defendermos dos perigos. Já aconteceu ouvir circular no nosso meio historias de deficientes visuais que aceitaram ajuda de desconhecidos para lhes carregar computadores e outros objectos de valor e eles desaparecem com eles. Outros oferecem-se para os acompanhar a casa e ficam assim a saber onde eles moram para assaltarem (sempre dá menos trabalho do que perseguir um normovisual até casa, correndo o risco de serem vistos), outros ainda oferecem-se para os ajudar a levantar dinheiro ou fazer compras e ficam com o cartão. Eu pelo menos funciono assim- se não identifico a pessoa, ela abordou-me com alguma intençao. Já tem acontecido pessoas conhecidas passarem por mim na rua, falarem-me, eu não as reconhecer e começar a apresar o passo como se fosse a fugir. Não é por mal que faço isso. É apenas para evitar abordagens de desconhecidos que possam molestar ou roubar os nossos pertences.

Aqui nem foi bem isso que aconteceu. De facto eu não conhecia a senhora e reagi daquela maneira porque estava cheia de medo. Ela aproximou-se de mais. Quando me perguntou se eu precisava de ajuda, quase que me gelou o sangue de susto. Tão simples como isto.

Quando me afastei, ela foi dizendo que não me queria roubar ou tirar o código do cartão, pois até trabalha no tribunal. Eu pedi-lhe desculpa e expliquei-lhe, como estou agora a explicar aqui, que ela não pode agir assim com as pessoas deficientes visuais que estão concentradas na sua tarefa que sempre desemprenharam e, de repente, sentem que alguém está por detrás. É inicio do mês, por certo andará muita gente a rondar as caixas Multibanco, muita gente com más intenções. Ao ver alguém ali tão perto, pensei logo o pior. Ainda para mais, eu não conheço a senhora de lado nenhum. Mesmo que fosse uma colega minha a abordar-me assim, reagiria da mesma maneira.

Serve isto para alertar os cidadãos normovisuais para terem algum cuidado da forma como abordam um deficiente visual. Chegar assim por detrás obviamente que não é a solução. Como as pessoas normovisuais não lidam connosco todos os dias, não sabem como agir e nos abordar, daí surgirem estes episódios embaraçosos que nós partilhamos com todos como forma de dar a conhecer o nosso mundo, como lidamos, como reagimos sem estímulos visuais ou com os parcos estímulos visuais que temos, como é o meu caso.

Ah outra coisa muito importante, por acaso esta senhora que hoje me abordou não me tocou ou me agarrou. Isso então seria o pior que podia ter feito. Sujeitava-se a que reagisse e a afastasse bruscamente como acto instintivo de defesa. Isso então nunca se deve fazer.


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