Friday, July 21, 2006

E eu não disse que ia chover?

“Vai chover amanhã e é para Coimbra!” Disse isto em sentido figurando, referindo-me à reunião marcada para esse dia 9 de Junho que prometia ser agitada.

Ainda eufórica do final de tarde da véspera, lá tinha eu de enfrentar aquele complicado dia. As coisas teriam de se resolver entre nós e os nossos superiores que ali vinham para esclarecer as coisas.

O dia amanheceu cheio de Sol. Se me dissessem que ia chover, não acreditaria. Chover mesmo só na reunião. Mas seria mesmo assim? E quem mandou dizer que ia chover muito para os lados da ACAPO?

Os coordenadores entraram na sala e nós ficámos em silêncio a ouvir o que eles tinham para nos dizer. Em tom calmo, o coordenador lá foi esclarecendo as nossas dúvidas e falou individualmente com cada um de nós.

Ao contrário do que era de prever, a reunião acabou por decorrer de forma pacífica e com toda a gente disposta a colaborar de forma a que tudo corresse bem daqui para a frente e que as partes envolvidas se mostrassem satisfeitas.

Não “choveu” nessa altura, mas ainda ia chover mesmo. E fortemente.

Quando saí para o almoço, reparei que o tempo tinha mudado radicalmente. O Sol já não brilhava no Céu que já era negro. Vinha lá chuva! Ainda estive para ir até casa buscar um guarda-chuva, mas pensei que era só uma ameaça.

Tinha de passar pelo Pavilhão para ir buscar o equipamento necessário para o voluntariado dos campeonatos do Mundo de Ginástica Acrobática. Naquele momento começavam a cair os primeiros pingos de chuva e o Céu ameaçava desabar sobre a Terra.

Apressei o passo de forma a molhar o menos possível a roupa que me ia ser necessária já para o dia seguinte. Quando vi que as coisas se estavam a complicar em termos climatéricos, comecei a correr cada vez mais rápido. Isto passou-se depois de almoçar, saliente-se.

Pousei o equipamento em cima da minha cama e trouxe o guarda-chuva. Aquela tarde iria ser inesquecível também. Não era uma tarde como a da véspera, mas iria passar-se algo que eu jamais julgava, alguma vez, acontecer.

No início da aula de Braille ouviram-se dois violentos trovões e a luz ameaçou falhar. Alguém exclamou:
- “Oh! Lá anda o São Pedro a arrumar a casa!”

Na aula falava-se da reunião da manhã, do Regulamento Interno (que eu estava a ler) e, curiosamente, de Bocage que tinha um poema intitulado “A Água”. Nesse poema, a certa altura, o poeta sadino dizia: “Meus senhores, aqui está a Água!” A água, essa, caía lá fora com tamanha violência que era possível ouvi-la no interior da sala. Porém, estávamos longe de imaginar o que iria acontecer ali.

Continuámos na sala de aula alheios ao que se passava lá fora. Era só uma chuvada que iria passar depressa, nada mais. Era melhor não ligar porque a chuva é uma coisa normal. Mas seria assim naquele dia?
Foi incrível a maneira como não nos apercebemos do que se estava a passar ali. Hoje pergunto como é que cinco pessoas estiveram naquela sala naquelas condições sem se aperceberem de nada e ignorando os sinais exteriores de que algo de anormal se estava a passar.

De facto, era grande a algazarra pelos corredores e impressionante o barulho que a chuva fazia a cair. Nós comentávamos que aquela gente- para estar assim a fazer tanto barulho- parecia que nunca tinha visto chuva na vida, ou então, já se tinha esquecido de como era chover. É que já não chovia há muito tempo. A primeira hipótese aqui levantada por mim- por incrível que pareça- deu resposta à agitação das pessoas. Elas nunca tinham visto chover ali com aquela intensidade.

Enquanto isso, a aula foi decorrendo até faltarem cerca de três minutos para o final. Foi na altura em que a nossa professora de Braille se deslocou de um lado para o outro da sala para arrumar os nossos trabalhos. Ao chegar à entrada exclamou:
-“Está aqui tudo cheio de água!”
Eu, sem olhar para o chão ainda disse:
- “Se calhar, a chuva vinha tocada a vento e a água entrou por debaixo da porta. Como a porta da rua também estava aberta…”
Não acabei a frase porque, ao mesmo tempo que falava, estava a olhar para o chão e fiquei completamente sem palavras ao ver o que nunca tinha visto ali.

Como foi possível cinco pessoas não se aperceberem que estavam numa sala de aula com os pés submersos e que as coisas que estavam no chão já estavam cobertas de água? Foi demais!

Tal como na véspera, belisquei-me para me certificar que não estava a sonhar. É que aquilo era inacreditável! Se me dissessem que algum dia iria assistir a uma coisa dessas, eu não acreditava. Gostava de ter ali naquele momento a minha máquina para captar aqueles incríveis e insólitos momentos.

Abriu-se a porta e a água subiu ainda mais no interior da sala. Foi-nos dada ordem para ficarmos onde estávamos. Essa era boa! Aprisionados na própria sala de aula! Nunca tinha pensado em algo tão macabro, nem nos meus pensamentos mais irreais.

Eu e a professora de Braille que é também uma amiga de há longos anos ficámos ali. Fomos impedidas de sair de onde estávamos. A parecer que não, aquilo até estava a ser hilariante. E o coordenador que, ainda há poucas horas, gabara as nossas excelentes instalações. Estava agora ali a presenciar todo aquele aparato.

A água que inundava o chão da sala era morna. Nós ríamos só de pensar que se podia fazer daquele espaço uma piscina improvisada. Então havíamos de chorar? Para molharmos ainda mais o chão?

Na outra sala onde outros meus colegas tinham Informática já havia quem se tivesse colocado em cima das mesas para precaver uma maior subida das águas. Imaginem a cena!

Entretanto, a luz tinha sido desligada para não haver curto-circuito. Isto significa que, para além de termos água pelos tornozelos, também estávamos às escuras. Tirei o meu telemóvel de dentro da minha mochila encharcada e apressei-me a ligar para a minha irmã. Ela deveria pensar que era uma brincadeira, mas não era dia 1 de Abril.

Naturalmente, ela não entendeu nada. Ainda por cima a chamada caiu. Ela ligou-me e disse que tinha ficado assustada com a minha chamada. Para que tivesse a noção do que estava a acontecer, ia mexendo na água que estava no chão enquanto falava com ela.

Os meus colegas que tinham saído da sala faziam o mesmo. A pergunta que mais se ouvia era se tinha chovido também para as respectivas localidades onde se encontravam os seus interlocutores.

E a última aula? Obviamente que não havia condições para se frequentar aulas normalmente. Íamos ter Informática e a luz estava cortada precisamente para evitar incidentes. A solução foi irmos para casa mais cedo. Uma hora e meia a mais de fim-de-semana!

Cheguei a casa com os pés molhados. Com a azáfama de ir depressa para as aulas, esqueci-me da chave. A sorte é que a minha senhoria estava lá e abriu-me a porta. Da próxima vez que isso acontecesse, iria viver momentos dramáticos. Esperem para ler esse texto que vale a pena!

O telemóvel estava sem bateria e tive de o pôr a carregar. Quando o liguei vi que tinha notícias sobre a candidatura à Bolsa de Estudo da ONCE. Só na segunda-feira seguinte resolveria o assunto.

Com todos estes acontecimentos que vão passar a fazer parte do livro das minhas memórias, esqueci-me completamente do jogo inaugural do Mundial 2006. Impensável!

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