Tuesday, June 08, 2021

“A palavra Que Resta” (impressões pessoais)

 

Ultimamente tenho lido livros de autores brasileiros com pouca experiência nestas andanças da escrita. o resultado é deveras surpreendente.

 

Sténio Gardel era um aluno de escrita criativa que apresentou este pequeno livro ou conto como trabalho final. A história está muito bem conseguida e leva-nos a pensar em alguns aspetos da sociedade.

 

O aluno escritor conta-nos a história de Raimundo que aos setenta e um anos aprendeu a ler e a escrever com o objetivo de conseguir ler uma simples carta.

 

A missiva havia sido escrita há muitos anos atrás pelo amor da sua vida- Cícero.

 

Cícero e Raimundo apaixonaram-se um pelo outro mas os preconceitos separaram-nos. Raimundo também sofria por ser diferente e, sobretudo por magoar a sua família.

 

Sua mãe sugeriu que ele abandonasse a casa por só atrair desgraças por ser como era. Ele foi viver para a cidade e acabou por viver com uma transexual.

 

Neste livro são visíveis as amarguras por que passa quem é diferente. Os seres humanos inconscientemente tendem em se afastar e abominar tudo o que se afasta da norma. Criam expetativas em relação aos comportamentos dos outros sobretudo em função do género a que pertencem. Aqui nesta obra esse facto está muito vincado. Raimundo gostava da costura mas era desaconselhado a praticar esse ofício por não ser um ofício de homem.

 

Eu continuo a achar que as pessoas, independentemente do género, devem gostar daquilo que o seu coração lhes diz para gostar, não gostar de uma coisa só porque os outros e a sociedade decretaram que tem de ser assim. O que é que tem um homem gostar de costurar? O que tem um homem gostar de roupas femininas ou uma mulher gostar de roupas masculinas? A sociedade espartilha as pessoas. Não tem em conta o cinzento entre o azul e o rosa. Esta designação de azul para o homem e rosa para a mulher, já de si é bastante castradora e limitativa da individualidade humana.

 

Se as pessoas são homossexuais, não pediram para ser assim. De certo que causa estranheza a todos nós, podemos considerar contranatura mas as pessoas nasceram assim. Muitas sentem orgulho, outras sofrem bastante. Por mais que se esforcem por ser diferentes, não conseguem alterar.

 

Durante muito tempo considerou-se a homossexualidade uma doença ou deficiência. Eu considero mais um traço de personalidade. Um traço individual. É como se nascer de olhos azuis, de pele clara. É como ser baixo e querer ser mais alto. São coisas que não se podem mudar.

 

Por mais pancada que Raimundo apanhasse do pai que viu o seu pai afogar o seu  irmão no rio também por ser homossexual, Raimundo não podia mudar. Estava na sua natureza. Era um traço dele.

 

Vemos nesta obra Raimundo como um lutador mas no final, incrivelmente, ele não teve coragem para ler a carta que demorou uma vida para decifrar.

 

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