Tuesday, April 04, 2017

Sonhos de quem não vê

“Sonhei com a tua cadela. Trazia a pasta, como sempre trago, e a tua cadela vinha sempre atrás de mim a tocar-me na pasta.”

Estávamos a almoçar quando Cruz Santos relatou o seu sonho com a cadela-guia de Moreira que é uma Labrador preta. Eu perguntei-lhe de que cor era a cadela no sonho, como ele a imaginava. Ele disse que nunca chegou a ver a cadela no seu sonho, apenas a sentiu a tocar na pasta. De referir que este nosso amigo viu normalmente até aos dezoito anos, se não estou em erro. Já cegou há muitos anos mesmo.

A partir daqui, começou toda uma conversa bem interessante sobre os sonhos de quem é cego total. A amostra ali não era muito elucidativa, pois toda a gente que ali estava viu um dia. Não estava ali ninguém cego de nascença e era pena. Seria interessante perguntar a alguma dessas pessoas como são os seus sonhos.

Trocaram-se ali experiências interessantíssimas. Recorreu-se a algo que alguém leu sobre os sonhos dos cegos totais. Alguns dos meus amigos afirmavam que eram precisos vinte anos para que a pessoa que tenha adquirido a cegueira perca a capacidade de sonhar a cores. Havia quem tivesse dito que esse espaço de tempo era muito menor.

Depois cada um contou a sua experiência e pude constatar que varia um pouco de pessoa para pessoa. Há quem veja nos sonhos apenas vultos, sombras indefinidas. Há quem apenas consiga sentir movimento e os diálogos entre os intervenientes do sonho dão-lhe um sentido mais importante do que dariam a quem ainda vê. Depois surgiu uma coisa bastante curiosa: alguém- não me lembro quem- afirmou que quando sonha, não consegue ver as cores mas, quando está acordado, consegue pensar e imaginar a cores.

São estas trocas de experiências que tornam os convívios entre nós mais saudáveis. Experiências de vida muito gratificantes.


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