Sunday, August 20, 2006

Digno de apanhados



A manhã estava enevoada como nos últimos dias. O Verão anda distante.

Era mais uma semana que se iniciava depois do emocionante e inesquecível fim-de-semana que vivi. Bem cedo tinha de me pôr a pé, tal como acontece todos os dias da semana. Naquele dia levantei-me mais cedo ainda, apesar de julgar que me tinha levantado à mesma hora. Fiquei espantada quando vi as portas ainda fechadas e já passava das oito e meia. Ainda esperei alguns minutos até que as portas abrissem finalmente. Quando vi as horas no computador é que vi que o relógio estava adiantado. O que uma pessoa faz com o sono!

Foi pelo computador que acertei o relógio para horas decentes. É que aquilo era fuso horário mesmo de pessoa desleixada. Ia começar mais uma semana de aulas daí a nada.

Nesse dia teríamos uma actividade diferente. Os alunos de uma escola de Coimbra que nos haviam visitado há tempos fizeram uma exposição sobre as estações do ano, acessível a deficientes visuais. (ver fotos) Cada estação do ano era feita de material sugestivo e típico dessa época. Os nomes das coisas sugeriam também essa estação do ano e estavam escritos a Braille. À entrada havia uma enorme bola que representava a Terra e que estava também elaborada com diferentes materiais e texturas de modo a facilitar uma abordagem táctil de quem não vê. Tudo estava excelente a pensar em nós.

No regresso a viagem foi animada. Arranjámos um belo emprego para um colega nosso: guia turístico. Ele alinhou na brincadeira e lá foi indicando tudo o que havia para ver (ou então não) naquela cidade. Para isto ter mais piada e para as pessoas que lêem isto terem a dimensão da risota que era, resta dizer que esse nosso colega nem é de Coimbra. Já estão a ver a cena...

O Pavilhão voltava a ter movimento depois de um dia mais calmo. As delegações para o campeonato dos mais novos iam chegando. Lá dentro só os franceses é que treinavam. Havia mais delegações que deviam treinar, mas ainda não tinham chegado.

No secretariado estava uma colega com uma renovada delegação do Kazaquistão- para mal dos meus pecados. É que eu queria que tivessem ficado os outros. Naquela altura ainda não tinha a certeza se eles tinham ido ou ficado. Aquelas senhoras acabavam de chegar e deixavam passar o pessoal que chegava depois delas. Normalmente o que acontece é que tudo quer passar à frente. Incrivelmente elas deixavam-se ficar para o fim.

Um senhor australiano também esperava alguma coisa no secretariado. Meti conversa com ele, mas na Austrália fala-se Inglês de uma maneira que é difícil perceber. Apesar de não o compreender bem, ele disse que eu sabia falar bem Inglês. Que ideia!

Não havia mesmo nada para fazer, mas eu estava a pressentir que tinha de ficar ali. Fui para a entrada da porta. Ali devia-se passar algo. Tinha cá uma fé...

Eu posso não ser craque a falar Inglês, mesmo assim vou desenrascando. Pior é quando encontro pessoas daqueles países de Leste que faziam parte da Antiga União Soviética. Chega a ser hilariante a conversa com essas pessoas. Vejamos este exemplo: um chefe de delegação de um desses países dirigiu-se a mim e a uma colega minha na única língua que lhe ensinaram a falar. Como não entendíamos nada, falámos-lhe em Português. Foi então que ele resolveu improvisar umas palavras em Inglês que se calhar aprendeu nos filmes. Ainda foi pior. Minutos depois esse mesmo senhor voltou a passar por nós. Nessa altura passava muita gente ao mesmo tempo pela mesma porta. Aí entendi bem o que o senhor disse porque sei alguma coisa em servo-croata e as línguas eslavas são parecidas. Sabendo falar uma entenderemos o essencial de todas. O senhor simplesmente pediu desculpa às pessoas que iam a entrar com ele naquela passagem estreita.

Comecei a pensar que devia ir aprender Russo que assim já os entendia a todos e não deixava ir algumas pessoas embora sem lhes dar uma palavra. Curiosamente aquele treinador era compatriota dos jovens que eu apreciava a dançar, daí eu ter-me embrenhado em tais reflexões. Havia de haver uma campanha que tivesse o objectivo de ensinar essas pessoas a falar Inglês. Não era por nada. É que devem ser pessoas com muito para nos contar e nós não podemos conversar com elas.

Uma algazarra interrompeu essas minhas reflexões profundas. Nem queria acreditar no que estava a ver ao longe! Tantos holandeses! Esses sabem todos falar Inglês. Felizmente posso falar com eles e que alegria isso me dá.

A entrada deles no Pavilhão foi atribulada. Alguns tropeçaram no degrau. Eu não percebia porque é que tanta gente ali tropeçava. Haveria outros ainda que iriam ali tropeçar e eu ainda me iria admirar mais. Depois de todos terem entrado, apressei-me logo a meter conversa com eles. Os que estiveram aqui na semana anterior nem os vi e isso causou-me alguma tristeza. Tanto que eu queria ter falado com eles. Era com eles e com os outros. Só que aos outros via-os a todo o instante. O que faz as pessoas não falarem a mesma língua!

Estava a escurecer. A noite ia caindo lentamente. Começava a ficar fresco e eu apressei-me a vestir uma camisola de manga comprida. Dois senhores búlgaros que ficaram de uma semana para a outra vagueavam de um lado para o outro. Esperavam os restantes elementos da sua delegação, mas quem espera desespera. Passaram ali horas a fio. Não criavam raízes porque iam vagueando por ali.

Vieram os polacos. Eram muitos e entraram aos trambolhões pela porta principal do Pavilhão. Já estava escuro e aquela entrada enganava muito. Mas esperem pelos alemães que iriam mesmo cair lá.

Eu estive a ver o que se passava ali com a entrada para tanta gente tropeçar. Uma colega disse-me que aquilo enganava muito e as pessoas julgavam que ali não havia aquele degrau. É curioso, aquele senhor de quem eu falei há pouco e os restantes elementos da sua delegação passaram lá n vezes e não tropeçaram.

Vinha o pessoal de Hong Kong. Ninguém tropeçou. Eu cheguei à conclusão que os grupos mais numerosos na ânsia de entrar todos ao mesmo tempo provocavam aquela situação. Quando passava uma pessoa sozinha ou um grupo pouco numeroso não havia problemas.

Vieram os alemães e eram muitos. A minha teoria ia ser confirmada. Se tropeçaram um ou dois holandeses, quatro ou cinco polacos, os alemães iriam tropeçar quase todos. O pior é que eles riam-se quando alguém tropeçava. Mas riam mesmo à gargalhada. Houve gente que ainda estava do lado de fora que se ria dos colegas que tropeçavam, chegavam à entrada e faziam a mesma coisa ou pior ainda. Dava-me a sensação que eles tropeçavam mais porque já se vinham a rir dos outros. Houve alguém que tropeçou de tal maneira que quase entrou no elevador em desequilíbrio. Foi risada geral!

O tempo passava a voar. Para os búlgaros que ali continuavam a esperar os colegas cada segundo era uma hora. Mais ninguém ali andava senão eles. O que lhes valia era que a noite estava amena. Até estava uma noite bonita. Para mim estava. Como tinha encontrado os holandeses, tudo estava perfeito.

Estava na hora de ir para casa. Fui ao secretariado e constatei que não eram só os búlgaros que esperavam. Sentada na mesma cadeira onde horas antes estava o senhor australiano, estava uma senhora inglesa á espera do mesmo autocarro onde vinham búlgaros, ingleses e não sei quem mais. Incrivelmente, o diálogo foi fluente. Eu entendi-a perfeitamente e ela entendia-me a mim na perfeição. Ainda há poucas horas, no mesmo local, me via em palpos de aranha para compreender aquele australiano.

Eu disse á senhora que havia dois búlgaros que estavam na rua à espera do autocarro. Estava a acabar de dizer isto e já eles dois estavam lá dentro. A conversa acabou por ser a quatro. Eles também falavam Inglês.

Com a conversa ficou tardíssimo. Os três heróis da espera acabaram por ir todos para a rua esperar e conversar um pouco. Eu despedi-me e segui o meu caminho para casa onde ainda iria ver os resumos do dia do Mundial.

Situação do dia:
A minha senhoria ainda não tinha vindo de Seia. Estava sozinha. Estava tão distraída que enchi demais a bacia de lavar a loiça. Levava a bacia a abarrotar de água da loiça e isso deu mau resultado. Entornei parte da água por mim abaixo. Foi um banho inesperado

Bacorada do dia:
“E ainda por cima esta água não era lavada!” (não estava limpa).

No comments: