Tuesday, July 26, 2011

“AI...AI....AI...AI...AI...”

Confesso que já há imenso tempo que não assistia ao lamentável espectáculo dado pela minha vizinha de cima quando está embriagada.

Na verdade, crescemos a ouvir as discussões, a presenciar violência gratuita entre um casal de alcoólicos e até nos rimos com as peripécias do elemento feminino do casal que, acordando sem se aperceber onde estava, acordava o lugar inteiro com os seus gritos impressionantes.

Recordo uma ocasião em que faltou a luz em casa deles. Em adiantado estado de embriaguez, a minha vizinha começou a gritar como se tivesse acontecido uma grande tragédia. Dizia ela aos gritos e aos ais que tudo tinha “abafado” de repente. De um momento para o outro havia perdido a casa, o marido e as filhas. Um coro de risos ecoava lá de baixo. O meu falecido vizinho não aguentava mais de tanto rir. Não gostando do ar trocista da assistência, ela afirmou:
- “Vocês estão-se a rir mas tudo foi de repente!”
Ainda hoje essa frase é proferida pela vizinhança. Lembro-me que fomos para a praia da Costa Nova no dia seguinte e ainda nos ríamos daquele episódio.

Também me lembro de uma ocasião em que ela acordou no barracão. Não sabendo onde estava, começou a gritar. Deviam ser umas duas da madrugada. O nosso cão começou a ladrar da vinha. Ela batia numas tábuas e mandava calar o cão nestes termos:
“DI...DI...”
Vá, ainda se lembrava do nome do cão. Voltava a gritar e o cão voltava a ladrar. Ela voltava a mandá-lo calar. Assim esteve um bom pedaço.

Houve uma época em que ambos os membros da família deixaram de consumir vinho e nunca mais se assistiu a espectáculos degradantes. Restavam as recordações das cenas antigas, com aquela do apagão em casa bem no cimo da memória.

Esta noite ouvia o meu vizinho a tratar o meu cão por você e a mandá-lo calar, pois queria ouvir o que se passava lá em cima.

Gritos como há anos não ouvia ecoaram pela noite, abafando os rumores dispersos do concerto de Tony Carreira em Anadia. Eu estava a ler o meu livro no meu quarto e ouvia o meu vizinho a rir-se, a mandar calar o meu cão e a perguntar se o vinho era bom.

Eu e a minha mãe juntámo-nos a ele. Ela gritava que se ouvia quase em Anadia. O que impressionava era a cadência perfeita dos ais que ela dava no intervalo dos pedidos estridentes para que chamassem a Polícia e os Bombeiros.

E gritava ela também:
- “AI QUE O VOSSO PAI MORREU!”

Morreu o quê? Devia estar deitado no chão com uma bebedeira também. Ela insistia em gritar o nome dele bem alto para que todo o lugar ouvisse. Incrivelmente ninguém apareceu além de nós. O meu vizinho não aguentava mais de tanto rir. Eu só me ria da cadência perfeita dos ais que ela dava no intervalo dos gritos.

Já há anos que não se via nada assim.

P.S: Dias mais tarde, o meu vizinho caiu no meio da estrada com uma bebedeira. Tiveram mesmo de chamar a Polícia e os Bombeiros. Ele estava muito zangado porque nas urgências tudo desatou a rir dele. Pudera!

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