Thursday, June 12, 2025

“Reborn”

 

Ela acordou sobressaltada. De um pulo saiu da cama. Nos seus sonhos pareceu ouvir a sua bebé chorar. Um choro urgente, pedindo aconchego e carinho.

 

Ela coloca os pés nus no gelado soalho de  madeira. Em bicos de pés para não fazer barulho, desloca-se ao quarto de  Lara. A bebé repousa inerte no seu berço, perdida entre um mundo de roupas e  comodidades em tons de rosa. Ela ajeita as roupas do berço da bebé e  retorna ao seu quarto vazio.

 

As suas noites antes da chegada da Lara á sua vida eram tristes. Um vazio interior sem fim colocava um peso insuportável no seu coração. Ser mãe era o seu objetivo. Esteve casada mas a dificuldade em engravidar e a sua obsessão pela maternidade levaram-na a  um divórcio que deixou marcas nos dois. Uma casa preenchida com várias crianças era o seu ideal de amor mas os médicos disseram-lhe desde logo que era impossível ela engravidar.

 

Foram muitas as noites em claro, com as lágrimas que corriam soltas a ensoparem os travesseiros. Perdeu tudo só porque não conseguia ser mãe. Pensava muitas vezes em morrer. Se não podia dar a vida a alguém, qual era o seu objetivo neste   Mundo? Ela que tinha tanto amor para dar. Amor de mãe, aconchego, calor nas noites de frio, carinho nos dias de birra…

 

Na televisão e nos jornais ela lia sobre mulheres que abandonavam os seus filhos e ficava incrédula. Por que é que essas mulheres puderam ser mães e ela não?

 

Mas agora tem Lara. É ela o seu mais que tudo. Ela comanda a sua vida. Estipula os seus horários, define quando são horas de comer, horas de dormir, horas de passear, horas de comprar roupas chiques e brinquedos.

 

Ela passa horas a contemplar o berço da bebé. Faz planos, idealiza uma vida a duas. Imagina as histórias que lhe vai ler, o primeiro dia de escola, as primeiras confidências da adolescência, aquela cumplicidade entre mãe e filha.

 

É manhã. Depois de uma noite em que ela não dormiu temendo que Lara acordasse de repente e ela não estivesse á cabeceira do seu berço , há que preparar o leitinho. Tudo da melhor qualidade porque a sua bebé para ela é a melhor do Mundo.

 

Separa um vestidinho novo. Cor de rosa, claro está. Hoje quer levar Lara ao parque. Que interessa que as colegas de trabalho a vejam?  Elas não tiraram também licenças de maternidade? Também ela tem o direito de cuidar de Lara como mãe dedicada e extremosa que é.

 

O carrinho de bebé cor de rosa roda pelo passeio. Muita gente passa por ela. Ali vai uma recente mamã num dos primeiros passeios da sua recém-nascida. Ela para. Vai falando para dentro do carrinho,  aconchega a sua bebé. Uma mãe babada.

 

Ela senta-se no banco. Coloca o carrinho á sua frente. Folheia uma revista de bebés e vai falando com voz de mãe para a sua filha. Passa outra mãe com outro carrinho de bebé. Senta-se no mesmo sítio. Ambas conversam. Claro que o assunto é a criação de bebés, o seu orgulho.

 

A recém-chegada  pede-lhe que mostre a sua bebé. Ela desculpa-se com o facto de ela estar a dormir. No outro carrinho, o outro bebé começa a chorar. A mãe de Lara precipita-se a olhar para o carrinho da filha.

 

Cansada, ela chega a casa. Muda a fralda á sua bebé, dá-lhe outro biberão de leite e coloca-a no bercinho. Ela acaba por adormecer também.

 

No seu sonho ela levanta-se para cuidar de  Lara como faz sempre. Chegando ao berço, perante o choro insistente da criança, ela prepara-se para lhe pegar. Encontra  Lara de barriga para cima de olhos arregalados. Uns olhos assustadores. Uns olhos que a julgam.

 

As pequenas mãos de Lara ganham vida. Numa força desproporcional ao  seu tamanho,  precipitam-se para o seu pescoço. Apertam com força. Ela fica sem ar. Ela não sabia que Lara tinha assim as unhas tão crescidas. E os dentes? Como foi possível não reparar?

 

Ela acorda de um salto, um grito estrangulado sai-lhe da garganta. Pela primeira vez desde que  Lara chegou á sua vida, ela tem  medo de se aproximar do berço. Os tremores sacodem-na. O coração galopa no peito.

 

Por fim ganha coragem e segue decidida até ao berço de  Lara. O que encontra é o que sempre lá esteve. Um  inerte e inofensivo bebé “reborn”.

 

No comments: