Estando eu de passagem por aquele local sossegado onde as casas eram dispersas, aventurei-me um pouco a caminhar por aquele trilho. Estava um final de tarde agradável, daqueles que o fim de outubro presenteia com cores vivas no Céu e uma atmosfera envolta em mistério.
Cantando e assobiando, fui olhando em redor para a vegetação. As pedras sulcavam o caminho e fui observando que nada iria obstruir a minha passagem. Estava a ser agradável estar ali, respirando o ar puro do campo e pouco ou nada escutando. Apenas o restolhar leve da passagem de qualquer ser vivo de pequeno porte através da vegetação.
Os meus devaneios fizeram-me esquecer da passagem do tempo. Nem tinha reparado que tinha escurecido assim tão de repente. Mas por esta altura não teria eu já chegado á aldeia. Cheirei o ar a ver se detetava o aconchegante cheiro a fumo das chaminés quando as noites começam a ficar mais frias e sabe bem estar ao lume. O aroma que me chegou ao nariz foi estranho e deslocado daquele lugar tão calmo. Cheirava a carne crua, tal como quando passamos junto a um talho ou matadouro. Olhei através da escuridão. Não se avistava nenhuma casa por ali.
O escuro da noite deu também lugar ao frio. A temperatura também caiu de repente á medida que a claridade foi abandonando o Céu.
A calma deu lugar a uma vaga inquietação. O medo de me perder apoderou-se de cada fibra do meu corpo. Apesar de estar a andar tranquilamente, o coração começou, sem aviso , a galopar no meu peito.
Poucos quilómetros á frente, comecei a sentir os pelos da nuca arrepiados. Seria frio? Seria medo? Medo de quê? Não estava ali nada nem ninguém que me pudesse ameaçar. Tive de parar. Algo me chamou a atenção mas não percebi o que foi. Apenas as minhas pernas pararam abruptamente.
Olhei e só obtive o puro negrume da noite como resposta. Apenas o caminho se destacava da negra paisagem. As árvores começaram a ser mais densas e comecei-me a assustar a sério.
Por um instante, pareceu-me ver ao longe uma luz que tinha tanto de reconfortante, como de sinistra. Queria ver algum sinal de vida humana e, quando esse sinal surge, ainda me assusto mais. Um lúgubre presságio apoderou-se dos meus sentidos. Algo me começou a impelir de voltar para trás.
Começou-me a cheirar a sangue fresco que se veio misturar ao cada vez mais intenso aroma a carne crua. Voltei a olhar e aquela luz pareceu-me mais intensa, mais ofuscante, quase um farol. Tinha de lá passar, apercebi-me com horror. Não havia como contornar. A solução seria voltar para trás.
Á medida que me aproximava, não cheirava só a carne fresca. Cheirava também a carne decomposta. Comecei-me a assustar ainda mais. O cheiro parecia vir daquela construção que não conseguia vislumbrar bem como era. Apenas uma luz brilhava lá dentro.
Uma caibra forte na perna direita obrigou-me a abrandar o passo. Tinha de parar e pedir ajuda ali. Arrastando-me dolorosamente, não me lembrava de sentir medo. A dor na perna era cada vez mais forte.
Chegando mais perto do edifício, constatei que afinal era um pequeno e simples anexo. Tinha uma porta á qual eu bati freneticamente. Se calhar com força exagerada. De início ninguém veio atender.
Esperei. Ouvi lá dentro passos pesados e algo de metal a ser pousado naquilo que me pareceu uma mesa inoxidável daquelas de dissecar carne humana na morgue ou carcaças no talho.
O homem que tinha á frente vestia um avental ensanguentado que nem se percebia a cor. Cheirava a carne crua, ligeiramente adocicada. Ainda vinha com uma enorme faca sulcada de sangue na mão.
Eu disse que precisava de ajuda. Ele mandou-me entrar e o que vi lá dentro fez-me gelar até aos ossos. Um corpo estava deitado numa mesa com os membros e a cabeça todos separados do tronco. Uma pilha de sacos pretos encontrava-se encostada a uma parede até ao teto. O chão em volta estava sulcado de sangue. Outro fluído que eu nem queria pensar o que era acumulava-se lá atrás. O cheiro ali era nauseante.
Pensei em dar meia volta e correr dali o mais que pudesse. A dor na minha perna estava a passar. Antes sequer que me virasse para a porta, fui agarrado por uns braços incrivelmente fortes e uma lamina fria foi encostada á minha garganta. Tentei gritar mas não emiti som algum.
Devo ter perdido a consciência. Quando voltei a mim, encontrava-me num local extremamente frio. Tateei o meu corpo e constatei que estava nu. Foi com horror que percebi que estava amarrado com fortes cordas a outra mesa de metal noutra divisão do pequeno anexo.
Ouvi passos. Os dois homens aproximaram-se de mim. Uma enorme faca estava na mão de um deles. Queria gritar mas ninguém me podia ouvir. Os homens preparavam-se para me decapitar ainda com vida.
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