Saturday, July 22, 2023

A indescritível felicidade de voltar a correr na rua

 

Hoje foi um dia muito especial para mim. Um dia pelo qual tenho vindo a ansiar desde o momento em que deixei de andar autonomamente na rua.

 

Uma das coisas que mais me custou perder quando deixei de ver foi a possibilidade de correr na rua ou no parque como tantas vezes fiz.  Muitas vezes acordava cedo, estava um dia com temperaturas bem agradáveis e eu não tinha a oportunidade de sair para a rua e dar uma corrida. Lembrava-me que em dias de muito frio conseguia sair de casa e ir correr. Agora sentia que me tinham arrancado um pedaço da minha alma.

 

Por vezes via passar uma senhora com um cão pequeno que costumava encontrar nas minhas corridas matinais antes do trabalho e logo sentia o rosto húmido das minhas lágrimas de reclusa.

 

Pensava que jamais podia voltar a correr na rua porque agora precisava da ajuda de alguém para  me guiar e isso é um pouco difícil. Pensava eu…

 

Há uns meses atrás foi-me apresentado o projeto Sexto Sentido que é um grupo de corrida e de caminhada destinado a cidadãos deficientes visuais com o intuito de lhes proporcionar a prática de atividade física. Muito importante aqui é o facto de este grupo não ter como objetivo a competição. De referir que muitas coletividades para nos aceitarem exigem logo que tenhamos tido e venhamos a ter a muito curto prazo resultados de excelência quando tudo o que queremos é simplesmente termos as mesmas oportunidades de qualquer cidadão que pretende apenas e só cuidar da saúde. Muitas vezes são os médicos que recomendam a prática de atividade física a estes cidadãos, como recomendam a outros sem qualquer tipo de deficiência nas mesmas  circunstâncias.

 

O que dizer por exemplo de uma pessoa com mais de cinquenta anos que tinha uma prática desportiva regular e, por qualquer motivo, deixou de ver? Já pensaram como se sente essa pessoa? Na prática ela não tem outro problema que não a incapacidade de ver. As pernas não lhe doem, sentem-se em forma mas a sociedade não oferece respostas para essas pessoas num simples grupo de corrida, caminhada ou, em muitos casos, num ginásio.

 

Felizmente chegou a Portugal este projeto  que hoje também se inicia em Coimbra. Já existe no porto e em Lisboa e permite que atletas e guias treinem e participem em provas de estrada ou trilhos que se encontrem abertas á  comunidade. Assim, o cidadão portador de deficiência  visual pode conviver, participar e passar algum tempo no exterior ao ar livre.

 

Foi neste contexto que regressei ao parque, desta vez para correr. Foram muitas as corridas que lá fiz. Ainda conheço aquele espaço muito bem. Há uns tempos passei por lá e não consegui esconder a tristeza que senti por não ter voltado a correr. Normalmente os domingos de manhã da minha outra vida estavam reservados para correr no parque.

 

Assim que eu e a minha guia demos os primeiros passos, senti uma liberdade incrível. Foi como ter voltado a nascer. Já há muito que não sentia tamanho bem-estar. Muitas vezes só damos valor ás coisas simples quando as perdemos. Já me arrependi amargamente dos dias em que, por qualquer motivo, não me apeteceu ir correr ou que devia lá ter ficado mais tempo.

 

Nem sei descrever o quão bem me sinto. Posso dizer que me sinto viva,  alimentada pelo ar livre, por aquela sensação impagável de frescura e liberdade.

 

Treino corrida ultimamente na passadeira do ginásio mas não é a mesma coisa.

 

Senti-me muito bem e gostaria de retomar a corrida no exterior, agora que se abre esta oportunidade.

 

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