A última noite do ano apresentava-se bastante fria mas o
doce calor da fogueira aquecia e perfumava o ar com um agradável aroma a
madeira.
Adie e Feijoa estavam presentes na sala. O meu pai já dormia
no sofá. Eu, a minha mãe e o meu vizinho íamos vendo televisão enquanto não
chegava a meia noite.
As doze passas já aqueciam na minha mão fechada, tornando-a
pegajosa.
A garrafa de champanhe já aguardava em cima da mesa pela
contagem regressiva para ser aberta.
Chegou o tão ansiado momento do fim de mais uma década e o
início de outra que toda a gente deseja que corra ainda melhor.
Da minha parte, estes últimos meses foram, naturalmente,
complicados, pois o que eu mais temia acabou mesmo por acontecer. Enquanto
soavam as doze badaladas, lembrei-me amargamente daquele dia deste ano que
agora terminava que pareceu ter mais do que vinte e quatro horas. Pareceu ter
até mais do que um ano, seguramente mais do que uma década, muito tempo em
vinte e quatro horas para mudar irremediavelmente uma vida. Os dias felizes
correm sempre vorazes, enquanto que os mais nefastos arrastam-se, teimam em não
chegar ao fim. Ainda sinto que o dia 27 de maio não chegou ao fim. Parece ao
mesmo tempo tão longínquo e tão presente. Ponto de passagem entre uma vida que
deixei para trás e esta que tenho agora. Um dia que abafou completamente
quaisquer outras recordações que pudesse ter deste ano que agora termina.
O meu vizinho abriu a garrafa de champanhe. Unimos os copos
num brinde a um novo ano que se prevê difícil, atendendo ao que foi o ano que
agora termina. Também para ele o ano que passou deixou marcas menos felizes.
Também para ele a vida mudou nestes últimos meses também por questões de saúde.
Ali estávamos nós a brindar a um novo ano com a esperança
renovada de que, apesar dos infortúnios das nossas vidas, ainda pode haver
esperança, um recomeço, um ponto de viragem.
Tragava as minhas doze passas quentes e meladas quase
implorando que este pesadelo que vivi neste ano que passou não se volte a
repetir, apesar de ser impossível o tempo voltar atrás.
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