Parece que foi ontem! Há um ano atrás, com o coração nas
mãos e a sensação terrível que algo iria correr mal, percorria as mesmas ruas
de sempre com a sensação que as iria olhar pela última vez. Não me enganei,
infelizmente. Foi a última vez que percorri as ruas sem o auxílio da bengala
branca, acessório que agora me acompanha para todo o lado.
Naquela tarde de há um ano atrás, mais ou menos por esta
hora a que hoje escrevo, senti a minha vida desabar. Fiquei mesmo sem chão,
apesar de ter a cegueira como dado adquirido na minha vida. Quando me foi
removido aquele penso ensanguentado, tudo o que tinha por certo e adquirido,
deixou de o ser. Com a escuridão, que no meu caso até era colorida, vinha uma
incerteza sombria.
Quase todos os dias deste último ano revi este momento curto
mas intenso que mudou a minha vida. Por vezes dou comigo a pensar se as coisas
não teriam um final diferente se por acaso não me tivesse virado para me acomodar
mais na cama. Talvez a válvula não se movesse, quem sabe. Talvez não sentisse
aquela dor lancinante, cortante. Aquela dor que foi a mais intensa que senti,
que me deixou completamente gelada ainda longe de saber as consequências que
trazia consigo.
O tempo não pode voltar atrás. Há que aprender a viver
assim. Não há outro jeito. Este último ano foi de descoberta, de desafio, de
superação, embora ande ainda um pouco à deriva sem saber o que me reserva o
futuro, especialmente em termos profissionais.
Espero que, com o tempo, a minha vida retome a normalidade.
Foram muitas as coisas que tive de deixar de fazer. Ler a negro foi uma delas.
Agora talvez leia mais livros que antigamente, porque os leio em formato
digital. Também utilizo o computador de forma diferente. Antes não tinha
qualquer leitor de ecrã. Agora tenho de me habituar a ele. É o que estou a
tentar fazer neste momento e é por isso que ainda não regressei ao trabalho. Os
programas e aplicações que usava talvez sejam incompatíveis com os leitores de
ecrã. Domino o Word mais ou menos para escrever texto corrido, como faço para o
meu blog, mas ainda não tenho as bases suficientes para trabalhar com programas
e aplicações mais complexas. Aguardo chamada para a reabilitação em Lisboa mas,
com a pandemia, tudo se atrasou. Depois da reabilitação, tenciono voltar a
trabalhar. Espero bem que isso aconteça, nem que seja numa função diferente.
O que me doi mais não poder fazer é correr de manhã antes de
ir para o trabalho. Há um ano atrás ainda tinha autonomia para andar na rua sem
bengala, para correr sem qualquer tipo de problema. Hoje isso deixou de ser
possível. É do que sinto mais falta. Tive mesmo de adaptar a minha atividade
desportiva. Adquiri uma pedaleira e é com ela que faço grande parte dos meus
treinos, juntamente com os halteres. Dantes não pegava muito nos halteres
porque havia o risco de descolamento da retina. Agora o estrago já esta feito.
Apesar de ter ainda resíduos visuais, a tendência é para a cegueira total.
Também estou inserida no projeto do Futebol para cegos. A prática desta
modalidade está a dar-me ferramentas importantes de orientação espacial e,
naturalmente, está-me a proporcionar um objetivo de vida- algo que ficou para
trás há um ano atrás naquela cama de hospital. Ser a primeira jogadora feminina
desta modalidade e abrir a porta a novas praticantes está-me a dar um sentido à
vida que não tinha há uns meses atrás.
Ver Futebol na televisão também foi algo que tive de deixar
de fazer, com muita pena minha. Algumas vezes ainda choro quando me dizem que
aquele golo foi muito bonito. Há uns meses atrás, o Rio Ave marcou um golo que
me disseram que foi uma obra prima. Ainda por cima foi finalizado pelo meu
jogador favorito da primeira liga- o Taremi e contra os nossos rivais lá de
cima. Se eles tivessem ganhado, fugiam-nos no primeiro lugar. Com este golo do
Rio Ave, a diferença entre o Glorioso SLB e eles é apenas de um ponto. Fiquei
com pena de não ver esse golo. Por mais que mo descrevam, não será a mesma
coisa.
Tenho uma assistente pessoal, com ela pude voltar a fazer
caminhadas. Também já regressei ao meu grupo de caminhadas , embora com
limitações.
Por último, sou suplente da atual direção da ACAPO de
Coimbra. Tenho muito pouca experiência e a política é algo que não me fascina
mas vou ajudando no que puder.
Assim se passou um ano! Passou rápido mas as memórias
daquele dia jamais se apagarão. Foram marcantes, como podem compreender.
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