Ela acordou sobressaltada. De um pulo saiu da cama. Nos seus
sonhos pareceu ouvir a sua bebé chorar. Um choro urgente, pedindo aconchego e
carinho.
Ela coloca os pés nus no gelado soalho de madeira. Em bicos de pés para não fazer
barulho, desloca-se ao quarto de Lara. A
bebé repousa inerte no seu berço, perdida entre um mundo de roupas e comodidades em tons de rosa. Ela ajeita as
roupas do berço da bebé e retorna ao seu
quarto vazio.
As suas noites antes da chegada da Lara á sua vida eram
tristes. Um vazio interior sem fim colocava um peso insuportável no seu
coração. Ser mãe era o seu objetivo. Esteve casada mas a dificuldade em
engravidar e a sua obsessão pela maternidade levaram-na a um divórcio que deixou marcas nos dois. Uma
casa preenchida com várias crianças era o seu ideal de amor mas os médicos
disseram-lhe desde logo que era impossível ela engravidar.
Foram muitas as noites em claro, com as lágrimas que corriam
soltas a ensoparem os travesseiros. Perdeu tudo só porque não conseguia ser
mãe. Pensava muitas vezes em morrer. Se não podia dar a vida a alguém, qual era
o seu objetivo neste Mundo? Ela que tinha tanto amor para dar. Amor
de mãe, aconchego, calor nas noites de frio, carinho nos dias de birra…
Na televisão e nos jornais ela lia sobre mulheres que
abandonavam os seus filhos e ficava incrédula. Por que é que essas mulheres
puderam ser mães e ela não?
Mas agora tem Lara. É ela o seu mais que tudo. Ela comanda a
sua vida. Estipula os seus horários, define quando são horas de comer, horas de
dormir, horas de passear, horas de comprar roupas chiques e brinquedos.
Ela passa horas a contemplar o berço da bebé. Faz planos,
idealiza uma vida a duas. Imagina as histórias que lhe vai ler, o primeiro dia
de escola, as primeiras confidências da adolescência, aquela cumplicidade entre
mãe e filha.
É manhã. Depois de uma noite em que ela não dormiu temendo
que Lara acordasse de repente e ela não estivesse á cabeceira do seu berço , há
que preparar o leitinho. Tudo da melhor qualidade porque a sua bebé para ela é
a melhor do Mundo.
Separa um vestidinho novo. Cor de rosa, claro está. Hoje
quer levar Lara ao parque. Que interessa que as colegas de trabalho a
vejam? Elas não tiraram também licenças
de maternidade? Também ela tem o direito de cuidar de Lara como mãe dedicada e
extremosa que é.
O carrinho de bebé cor de rosa roda pelo passeio. Muita
gente passa por ela. Ali vai uma recente mamã num dos primeiros passeios da sua
recém-nascida. Ela para. Vai falando para dentro do carrinho, aconchega a sua bebé. Uma mãe babada.
Ela senta-se no banco. Coloca o carrinho á sua frente. Folheia
uma revista de bebés e vai falando com voz de mãe para a sua filha. Passa outra
mãe com outro carrinho de bebé. Senta-se no mesmo sítio. Ambas conversam. Claro
que o assunto é a criação de bebés, o seu orgulho.
A recém-chegada pede-lhe que mostre a sua bebé. Ela desculpa-se
com o facto de ela estar a dormir. No outro carrinho, o outro bebé começa a
chorar. A mãe de Lara precipita-se a olhar para o carrinho da filha.
Cansada, ela chega a casa. Muda a fralda á sua bebé, dá-lhe
outro biberão de leite e coloca-a no bercinho. Ela acaba por adormecer também.
No seu sonho ela levanta-se para cuidar de Lara como faz sempre. Chegando ao berço,
perante o choro insistente da criança, ela prepara-se para lhe pegar. Encontra Lara de barriga para cima de olhos
arregalados. Uns olhos assustadores. Uns olhos que a julgam.
As pequenas mãos de Lara ganham vida. Numa força desproporcional
ao seu tamanho, precipitam-se para o seu pescoço. Apertam com
força. Ela fica sem ar. Ela não sabia que Lara tinha assim as unhas tão
crescidas. E os dentes? Como foi possível não reparar?
Ela acorda de um salto, um grito estrangulado sai-lhe da
garganta. Pela primeira vez desde que Lara chegou á sua vida, ela tem medo de se aproximar do berço. Os tremores
sacodem-na. O coração galopa no peito.
Por fim ganha coragem e segue decidida até ao berço de Lara. O que encontra é o que sempre lá esteve.
Um inerte e inofensivo bebé “reborn”.