Monday, February 19, 2024

À descoberta do showdown na Eslováquia

 

Chegou finalmente o  momento mais ambicionado deste ainda curto ano de 2024- o torneio em Samorin na Eslováquia. Trata-se de um conceituado torneio internacional deste desporto praticado por deficientes visuais ainda recente em Portugal

 

Seria uma boa oportunidade para aprendermos, termos a oportunidade de defrontar os melhores e trazer algo para que nós e os nossos colegas possam evoluir. Trazer vitórias em sets ou mesmo em jogos fazia parte do sonho que cada um de nós levava na  bagagem.

 

Partimos de Coimbra um  pouco mais tarde em direção ao porto. Foi no aeroporto que começou o capítulo das peripécias. Confesso que já não me lembrava dos procedimentos de uma viagem aérea. No controlo da  bagagem estavam a ser bastante rigorosos e obrigaram mesmo a tirar objetos de dentro das mochilas de forma a acomodar as coisas para que tivessem o tamanho e as medidas adequadas. Mas há pessoas sem o mínimo de sensibilidade. Tirar as coisas das mochilas dos outros e espalhar por todo o lado é fácil mas ajudar a catar os objetos numa  superfície para colocar de volta não é com essas pessoas. Depois ainda resmungam. Vendo que o nosso colega tem  deficiência visual e sendo pedido por outro colega que essa funcionária o ajudasse, ela recusou-se.

 

O  avião cruzou o Céu rumo a Viena. Aproveitei a viagem para ler um pouco. Sabia que seria difícil pegar num livro nos próximos dias.

 

Chegados a Viena, vieram-nos buscar de carrinha juntamente com  alguns elementos da comitiva belga. Logo ali comecei a interagir com participantes de outros países. O teor da conversa era, naturalmente, o estado do desenvolvimento do Showdown na bélgica. Queremos sempre saber se há  muitos praticantes, se existem campeonatos, como decorrem.  Também por lá não separam homens de mulheres nos torneios, tal como acontece cá pelo nosso país.

 

O primeiro dia de competição seria intenso, tal como o foram os outros. A minha primeira adversária era uma atleta da casa chamada Cristina. Escusado  será dizer que perdi.

 

Seguiu-se uma atleta  alemã já com muita  experiência neste tipo de torneios. Ela aparentava, apesar disso, estar mais nervosa do que eu. Se eu não estivesse a acusar o peso de estar ali num torneio internacional pela primeira vez, teria aproveitado. Não sei como se diz em alemão mas em Português pode-se dizer que ela tremia que nem varas verdes.

 

Mais dois jogos me esperavam da parte da tarde. O meu pior jogo foi contra uma atleta da Suíça. Um dos poucos jogos que terminei a zeros.

 

Mas nessa mesma tarde iria ter o jogo que levarei na minha memória pelo valor  da minha oponente. Sabemos que a escola polaca e a escola italiana são das mais fortes no showdown. A minha adversária era uma das melhores colocadas no ranking. Basicamente é como seres um jogador da segunda divisão e ires jogar contra o Messi ou o Ronaldo. Na classificação final ela acabaria por ser medalha de prata. A atleta francesa que jogou com a minha colega foi primeira classificada. Foi mesmo um batismo internacional á maneira. Voltando a esse jogo com a atleta polaca, foi seguramente o jogo em que simplesmente disfrutei da oportunidade que tive de defrontar uma craque a quem marquei ainda quatro pontos e causei dificuldades num serviço. Eu parto do princípio que estas atletas fazem jogos perfeitos. Marcar quatro pontos sem ser por faltas nesse jogo foi talvez o meu trofeu.

 

Mas devia jogar assim também contra atletas mais modestas. No dia seguinte voltaram a fazer grupos, mas entre os melhores e os piores, ou seja, os que ficaram nos primeiros lugares dos grupos jogariam com primeiros classificados de outros grupos e o mesmo acontecia para os piores classificados.

 

A nossa colega Paula foi logo batizada numa competição desta envergadura e logo a jogar com a atleta que viria a vencer a competição. Ela treina comigo, somos da mesma equipa e o nosso primeiro jogo a sério foi…na Eslováquia. Ela tem enorme potencial, se calhar melhor do que eu. O segundo dia de competição iria começar para nós com este dérbi, digamos assim. Eu pensei: é sexta-feira, se estivéssemos em Coimbra, mais ou menos por esta hora, provavelmente estaríamos a treinar juntas…Mas havia algo de estranho, havia um árbitro, havia toda uma envolvência á volta. Por mais que eu imaginasse que aquilo era mais um treino com a Paula e não um jogo a serio num torneio internacional  havia algo estranho. Antes de sabermos que estávamos no mesmo grupo e nos iríamos defrontar, o objetivo era ganhar um jogo neste torneio. Aqui, neste confronto, uma de nós sairia vencedora, nem que estivéssemos ali até á noite. Apesar dos erros, das faltas e do nervosismo, do medo de errar ainda mais, acabei por vencer e dar assim a primeira vitória de sempre de Portugal e do Sport Clube Conimbricense numa competição internacional.

 

Fortunato iria agora tentar derrotar um jogador de outra nacionalidade, uma vez que partimos daqui um atleta masculino e duas femininas. Ele iria defrontar um atleta búlgaro que na véspera eu tinha estado a ver defrontar um alemão. Eu disse ao  Fortunato que ele venceria aquele  jogador e assim aconteceu. A bandeira portuguesa estava já a postos para que, assim que soassem os três apitos do árbitro, nós saltarmos e corrermos. As nossas cadeiras parece que tinham molas. Foi uma enorme alegria.

 

Como estávamos no mesmo grupo, eu e a Paula defrontávamos as mesmas jogadoras. Se uma jogadora jogasse primeiro comigo, eu indicava-lhe as suas características. Ela fazia o mesmo caso defrontasse uma das nossas colegas de grupo antes. Mas houve uma atleta que nos apanhou uma a seguir á outra. Num curto espaço de tempo, jogou comigo e, nem uma hora depois, jogou com a Paula. Uma atleta da suíça.

 

Agora vem aquele jogo que eu poderia ter ganho. Que raiva! Atleta da Eslováquia. Estive a vencer no primeiro set por alguns pontos de diferença. Depois cometi faltas e erros e perdi o primeiro set por três pontos de diferença. Tudo devido a faltas. Depois ela aproveitou e empolgou-se.

 

Sábado, dia dos últimos jogos. Iria competir no jogo que dava acesso ao vigésimo quinto lugar. Novamente defrontava uma atleta da casa. Também devido a erros e faltas, me deixei levar. Mais um jogo que poderia ter ganho.

 

Pouco depois, Fortunato defrontava um atleta francês e obteve a sua segunda vitória pessoal num jogo, terceira para a nossa comitiva. Pensávamos que seria difícil ganharmos um jogo e trouxemos três vitórias, por mais que uma estivesse sempre garantida a partir do momento em que a sorte ou a classificação ditou que duas atletas portuguesas do Sport Clube conimbricense se defrontassem.

 

A tarde foi dedicada a viajarmos para Bratislava onde tirámos muitas fotos e comprámos as tradicionais recordações. Eu estava admirada. Talvez por haver pouco sol por ali, dava a sensação de eu estar a ver mais do que o costume. Conseguia vislumbrar as coisas com uma nitidez que hã , muito não conhecia. Ainda me belisquei por pensar que estava em mais um daqueles sonhos que há uns dias aqui descrevi. Trata-se de uma cidade lindíssima que vale a pena visitar.

 

Houve uma cerimónia de encerramento numa das salas. Mais uma vez, o momento mais emotivo veio de uma situação em que estava presente o hino da polónia para comemorar o campeão masculino. Juntos, cada um dos integrantes da comitiva polaca cantaram um versodo seu hino. Foi muito bonito. Tive pena de não ter filmado.

 

Antes de passarmos às tropelias do regresso ao Porto, devo dizer que a comida não difere muito da portuguesa. Frango, lombo, salada, arroz branco como o que faço aqui…o que mais me impressionou foi a chouriça que davam ao pequeno almoço. Então não é que é exatamente igual á que a minha mãe compra na mercearia lá da aldeia e depois o meu pai assa na brasa ou num recipiente de barro com álcool. Senti-me em casa. Havia lá coisas muito específicas como uma espécie   de  bolinhos com geleia em cima e iogurtes muito deliciosos com pedaços de fruta.

 

Vínhamos a contar com o frio mas dentro do espaço que nos acolhia não estava frio e a temperatura no exterior não era muito diferente da que faz em Coimbra por esta altura do ano. Em Bratislava eram cinco da tarde e a temperatura estava agradável, passados cinco minutos ou dez já era um frio que não se podia.

 

Depois de nos termos deitado tarde, o que é normal no último dia, houve que fazer as malas e assumir que a aventura tinha chegado ao fim.

 

Regresso. Longa espera no aeroporto. Nova  peripécia na revista das  bagagens. Vendo o nosso treinador acompanhado de três pessoas cegas, alguém da segurança deu alerta para presumíveis correios de droga, imagine-se. O nosso treinador usaria três pessoas com deficiência visual para traficar droga. Nem o facto de trazermos fatos de treino que nos identificavam atenuou a desconfiança. Por acaso eu fui a única que, vá lá saber-se porquê, escapou ao escrutínio minucioso das autoridades. Foi um momento algo tenso que recordaremos com um sorriso nos lábios. Com que então éramos mulas de droga!

 

Chegámos a  solo português com muito para contar e para transmitir aos nossos colegas que ficaram por cá. É de agradecer o esforço que o Sport Clube Conimbricense fez para tornar isto possível. Foi um passo enorme também no desenvolvimento do Showdown em Portugal. A partir daqui, foi lançada a semente para algo ainda maior.

 

A maior vitória que trazemos na  bagagem é  a experiência, a partilha e a promessa que, a partir daqui, será  criada uma base forte para que os atletas portugueses se desenvolvam e sejam cada vez mais a praticar este  desporto que é mais inclusivo do que qualquer outro, pois permite mesmo a  atletas que, para além da deficiência visual, possuem outras condições clínicas praticar. Estavam lá alguns exemplos, não só com outras deficiências para além da visual mas também gente de mais idade. Avozinhos também têm lugar no showdown de alto nível. É só um dia experimentarem.

 

Fomos pioneiros. Nós, Sport clube conimbricense, temos agora a responsabilidade de abrir esta porta para que os atletas portugueses em geral possam trabalhar,  tendo como exemplo os melhores do Mundo.

 

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