O subconsciente é uma coisa incrível com que a Natureza
dotou o Ser Humano. O que a seguir vou narrar é exemplo disso mesmo. Trata-se
de um sonho com uma enorme carga simbólica, apesar de ter acordado às cinco e
dez da manhã bastante confusa e algo assustada. Logo esses sentimentos passaram
quando me lembrei que dia era hoje.
Enquanto vou narrando este sonho que pode parecer estranho,
vou passando a banda sonora dele. É fácil de explicar também por que é que esta
música está aqui.
Sonhei que estava no meu quarto lá em casa a ouvir rádio. Ouvia
música e, a certa altura, anunciavam precisamente uma entrevista com Paulo De
Carvalho onde o cantor falava da sua carreira e da sua vida. Não sei a que
propósito veio isso mas todo o resto a partir daqui compreende-se.
Na sala havia uma enorme algazarra. Estava ali muita gente
mas eu não conhecia ninguém. Vim cá fora ver o que era. As pessoas tiravam
coisas de dentro de uma cómoda que na verdade existe ali mas praticamente só
tem roupa.
Nessa cómoda estavam guardadas coisas velhas. O cheiro a
mofo imperava. A certa altura, mesmo lá do fundo, retiraram um ramo de flores
amarelecidas pelo tempo e a seguir…um pequeno caixão. Logo virei a cara. Já
devem saber que eu tenho medo dos mortos em sonhos, o que não acontece na
realidade.
A diferença ali é que aquele…era o meu caixão com os meus
restos mortais. Ainda mais repulsa me deu quando tive conhecimento dessa
informação. As pessoas agarravam-me e incitavam-me a que eu fosse ver. Olhando
para a rua, ia ouvindo retirarem o que pareciam ser ossos.
Estava confusa, de cabeça baixa. Mil e uma coisas me passavam
pela cabeça. Como era possível aquele ser o meu caixão, se eu estava ali, tão
viva como toda a gente que ali estava? Algo estava errado.
Continuava a ser incitada pelas companheiras que ali estavam
a pegar no meu próprio caixão. Eu recusava, virava a cara e continuava a olhar
para a rua. Elas acusavam-me de cobardia, de não encarar a realidade. Mas que
realidade?
Acordei confusa e sem acreditar no que tinha acontecido.
Logo me lembrei a que propósito veio isto. Estamos no dia vinte e quatro de Maio
de 2015. Faz dez anos que se pode dizer que a minha vida mudou. Perante um
cenário limite, a partir esse dia vinte e quatro de Maio de 2005, ainda sem
saber como sairia daquele calvário, do dia longo que foi aquele, iria, dali
para a frente, encarar cada dia como se fosse o último.
Ninguém morre de Glaucoma mas as dores são horríveis e a
pouca faculdade de ver pode-se esfumar num abrir e fechar de olhos. Por mais
que esteja preparada para essa eventualidade que pode vir a acontecer, nunca se
está verdadeiramente a postos para encarar essa realidade.
Naquele dia muita coisa me passou pela cabeça que latejava
quase a ponto de explodir. Muito pensei eu na vida. Muito lamentei não ter
feito. Tendo sobrevivido a tudo isto, com mais ou menos mazelas, vou
aproveitando a vida, vivendo intensamente, divertindo-me enquanto tenho condições
para isso. Podem-me julgar ou criticar mas, certamente, não passaram por uma
situação como esta e recomendo que não venham a passar um dia. É algo que não
se esquece, que fica marcado para sempre pela negativa na nossa memória.
Dez anos. Quem diria! Parece que foi ontem.
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