Cada vez me surpreendo mais com os sonhos. Sinceramente,
onde é que o meu subconsciente vai desencantar tão rebuscadas tramas?
Esta então nunca tinha experimentado. Um amor proibido, imoral,
correspondido das duas partes. Haverá idade para o que é certo e errado?
Tudo começa quando me encontro á espera de autocarro numa
paragem já sem ninguém, sinal que o autocarro tinha passado à pouco tempo e
havia que esperar pelo próximo.
Alguém se abeira de mim e me entrega um baralho de cartas
preso por um elástico que apanhou do chão. Alguém o tinha deixado cair. A pessoa
pediu que o levasse e perguntasse de quem era. Seria certamente de algum miúdo
que ia para a escola.
Ao final da tarde regressava no autocarro mais movimentado. Os
alunos seguiam de pé e apertados que nem sardinhas enlatadas. Um menino muito
pequeno, aparentando uns dez anos abeirou-se de mim e perguntou-me se eu tinha
achado um baralho de cartas. Nasceu ali uma tórrida e proibida paixão.
Eu tirei o baralho de cartas do bolso e entreguei-lho sem
jeito. Ele corou e olhou para mim com olhos brilhantes e sorridentes. Apanhando
desajeitadamente o baralho da minha mão, foi dizendo que se chamava Samuel e
que tinha dez anos.
Ainda nessa tarde, estava eu a ouvir notícias de Desporto e
o meu telemóvel tocou. Fiquei fula por me terem interrompido. Ainda por cima
não conhecia o número.
Atendi mesmo assim e do outro lado estava o Samuel
pedindo-me que fosse ter com ele. Eu sempre fui dizendo que tinha algo para
fazer mas, bem no fundo, queria vê-lo.
Resolvi colocar pés na estrada, apesar de serem já sete da
noite. Enquanto percorria a estrada deserta, ia pensando: que vida é a minha?
Estou apaixonada por um miúdo que quase tinha idade para ser meu neto. Mas como
é isso possível? Isto tem de acabar! Eu, que sou mais velha, tenho de terminar
rapidamente com isto antes que venha a ter proporções maiores e mais trágicas.
Avistei-os a brincar num descampado e fui lá ter com eles,
imagine-se. Fiquei sem saber como agir. Não
passavam de crianças. O que fazer com isto?
A solução foi acordar e, para meu alívio, descobrir que nada
disto era real.