Monday, May 27, 2024

O que de positivo se retira de cinco anos sem ver

 

Há cinco anos atrás era também segunda-feira. Nesse dia, fiz uma  cirurgia para controlar a pressão ocular que deu mau resultado e fez com que a minha vida tivesse de mudar radicalmente.

 

Das coisas negativas da perda da visão já aqui tenho vindo a falar. Basta sair á rua, entornar alguma coisa, não conseguir ver um golo, uma foto, apreciar uma paisagem…

 

Agora vou fazer o exercício inverso: o que retiro de positivo desta drástica mudança?

 

Em primeiro lugar, não teria retomado o Desporto que tive de deixar para preservar a visão que ainda me permitia ser autónoma e trabalhar. Embora eu corresse na rua todos os dias, voltei  a fazê-lo, embora tenha sido uma das minhas últimas conquistas. Passei a praticar muitos outros desportos como o Futebol De Cegos,o  Showdown,o tiro, voltei a fazer ginásio que não podia fazer devido ao perigo de descolamento da retina…Trabalhava tão perto do Sport Clube Conimbricense e não conhecia esta instituição que nos abre as portas e nos dá a oportunidade de praticar Desporto. Passava tanta vez a pé junto ao pavilhão Da palmeira e não sabia o que era.

 

Eu costumo dizer que as pessoas que fazem parte do meu quotidiano hoje não são as mesmas que povoavam os meus dias há cinco anos atrás. Há pessoas com quem eu convivo hoje que nem sequer conhecia. Em contrapartida, há pessoas que faziam parte da minha vida por razões sobretudo de trabalho com as quais nem sequer voltei a falar. Tenho pena de ter perdido o contacto com algumas. Outras era uma obrigação, um frete autêntico, relacionar-me com elas. Isto é como tudo…

 

Se não tivesse perdido a visão, continuaria, sem dúvida a trabalhar. Não sei dizer se o projeto do sport clube conimbricense, volto a referir, tão perto do meu local de trabalho, existiria. Talvez sim, graças ao laborioso querer e força de vontade do treinador Márcio sousa e da presidente Zita Alexandre. Eu apenas trouxe a experiência que tinha de um passado ligado ao Desporto, involuntariamente interrompido.

 

O que há de positivo também destes cinco anos é o facto de agora ter oportunidade de ler mais e não gastar dinheiro em livros. Aproveito o que surge em termos digitais das bibliotecas que existem para nos proporcionar o direito á leitura e consigo outros livros em sites de livros digitais, nomeadamente no Brasil, onde existem mais obras traduzidas e digitalizadas a pensar nos nossos irmãos brasileiros cegos.

 

Outro fator positivo é que este blog- a única coisa que resta da minha vida anterior- está agora atualizado. Antigamente, por força do trabalho e do pouco tempo que tinha, andava consideravelmente atrasado, até porque eu tinha, a certa altura de tomar apontamentos dos jogos que via na televisão á mão e demorava muito tempo a decifrar a minha letra e a passar esses apontamentos para o Word. Também a passagem de fotografias demorava o seu tempo e eu só dispunha de uma hora antes de ir trabalhar para o atualizar. A partir de 2017, com a mudança de casa, passei a cuidar do blog depois do trabalho, algo que nem sempre era fácil depois do fim de mais um dia intenso.

Também tive a oportunidade de fazer rádio, algo que foi sucessivamente adiado, nas últimas vezes por falta de tempo, apesar dos convites. Hoje tenho dois programas na “Onda nacional”- uma rádio online feita quase exclusivamente por pessoas cegas e com baixa visão. Algo por que sempre lutei.

 

Deixo para o fim algo memorável que está diretamente ligado com esta efeméride. Se não tivesse perdido a visão, com tudo o que se lhe seguiu, teria prestado tanta atenção ao Taremi? Provavelmente não. Em 2018 ele jogou contra Portugal e eu nem sequer me lembro de o ter visto. Soube mais tarde que foi ele que fez aquele último remate que, por pouco, não nos retirava da competição. Nem sabia quem tinha rematado, causando menos uma batida nos corações lusitanos. Dentro da adversidade, ter depois conhecido o Taremi é o momento mais feliz que tive ao longo destes cinco anos e dos restantes da minha vida. Nunca vou esquecer aquela noite em que, comigo nas bancadas do Dragão, de propósito para o ver jogar ao vivo, ele fez uma das melhores exibições seguramente desde que está em Portugal. Parecia feita de encomenda. Tive muita sorte. Depois tive oportunidade de estar com ele. Algo que levo para a vida, agora que ele vai rumar a outras paragens.

 

Muito mais havia para dizer mas fico por aqui. Este meu testemunho servirá, quem sabe, para inspirar alguém que, numa enfermaria qualquer de oftalmologia, tenha passado pela desagradável experiência que vivi há cinco anos atrás. Não foi o fim, como na altura previ, apenas um novo recomeço.

 

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