Por onde começar? Antes de mais, por procurar música
adequada para isto. De repente lembrei-me desta. Acho que não há melhor.
Agora já posso descrever (ou pelo menos tentar descrever) as
incidências de uma noite bem agitada do meu subconsciente. E continuo sem saber
por onde pegar nisto.
Era quase uma da manhã quando acordei com o corpo todo
dorido. Motivo: sucessivos episódios de paralisia do sono que me acometeram. Eu
até pensava que era mais tarde. Desta vez nada consegui fazer para aproveitar
estes episódios. Por mais que eu tentasse, só à enésima tentativa consegui sair
do estado em que me encontrava para acender o candeeiro e ver as horas.
Adormeci pouco depois mas nem por isso tive sossego. Sonhei
que fazia uma terapia lá em casa a quem estivesse interessado. Eu fui fazendo
marcações a partir das nove da manhã e usei o mesmo esquema que uso no
trabalho. Era mais do que suficiente para cada pessoa.
Não sei que propósito servia essa minha terapia baseada na
oração, como se eu tivesse realmente jeito para essas coisas. Tinha tanto
jeito, que nem sabia o que fazer quando chegaram as primeiras pessoas
interessadas.
Bem, vou tentar descrever o que ali se passava. Na eira de
minha casa, montei uma espécie de tenda, com uns enormes tapetes no chão onde
recebia as pessoas que eram de todas as idades, conhecidas e desconhecidas, e
vinham de todas as paragens. Inclusive houve quem viesse de…Castelo Branco.
Pelas nove horas ainda não tinha ninguém e pensei que as
pessoas tivessem desistido. Foram surgindo a conta-gotas primeiro e depois
vieram todas juntas lá para as últimas horas, quando era quase noite. Eu já
estava cansada. O último grupo era um grupo muito grande e a desordem imperava
ali. A minha irmã também ali estava e resolveu conversar com duas jovens
desconhecidas, desconcentrando-me.
Ainda não disse no que consistia a minha terapia espiritual.
Consistia em fazer umas orações e depois rezar dez Avé Marias (depois já eram
sete porque nos enganámos com a distracção de estarem algumas pessoas na
conversa em vez de rezar). Eu continuava
a dar o meu melhor para que a freguesia voltasse novamente.
A certa altura, não sei como nem a que propósito, foram
surgindo vindas do cimo da ladeira, umas enormes motos de alta cilindrada, cada
uma delas com um indivíduo vestido de preto com um megafone apregoando a sua
doutrina. Eles pareciam aqueles pastores brasileiros mas apregoavam tudo, menos
a Paz e o Amor. Pareciam amantes do culto satânico. Eles falavam com um sotaque
brasileiro e com umas vozes grossas e medonhas. De onde saíram? Que fiz eu para
os atrair? Estava a ficar assustada. Quando um já ia lá em baixo e mal se
ouvia, logo surgia outro a alta velocidade na sua moto e continuava a mesma
ladainha.
Depois passaram dois seguidos. Pensei que eles iam parar mas
seguiram o mesmo caminho dos outros. Foram surgindo mais, apregoando as suas
estranhas preces. Estranhas e sinistras. Mais pareciam ameaças. Mas que Bíblia
andavam eles a ler?
Passou mais um quando já era noite cerrada. Entre outras
coisas que foi debitando para o ar, foi dizendo:
- “…e dando graças o torturou…”
Não tendo passado mais nenhuma dessas personagens sinistras
que já me deixavam com os nervos em franja e a cabeça a fervilhar, o ambiente
desanuviou e fomos falando de trivialidades.
Uma rapariga chamada Tânia alegou que ia viajar sem destino,
que ia deixar tudo para trás, inclusive a sua irmã Dora que era nutricionista.
Ela seguiria de minha casa a pé já de noite e apanharia qualquer transporte
para Coimbra de onde seguiria depois para qualquer lado.
Eu acompanhei-a a pé até Anadia e fomos conversando. Fiquei
ali junto a uma estada movimentada que tinha medo de atravessar. Ali não havia
passadeiras. Havia alguma gente na rua mas estavam todos com medo de me
abordar. Podiam assustar-me.
Por fim alguém veio ter comigo e eu disse que tinha de
apanhar o autocarro para Coimbra. Estava a amanhecer mas alguém me disse que já
era meio-dia e um quarto. A uma hora daquelas, não apanharia o autocarro. O
melhor seria ir para Mogofores apanhar o comboio. Não sabia os horários mas
também não tinha compromissos para esse dia.
Chegámos à estação e o movimento era muito. Aquilo não era a
estação de Mogofores, mais parecia a estação da Figueira Da Foz. Havia imensas
linhas e imensos comboios parados e que estavam a ser anunciados pela
instalação sonora.
Fiquei a saber com espanto que ali se apanhavam comboios
para Leiria e para Avintes ou algo assim comparado.
Havia por ali um grupo enorme de pessoas. Eram os típicos
portugueses. Cantavam, dançavam, e não faltava a cesta com a comida e a bebida.
Juntei-me a eles e fiquei a observar um indivíduo aí com os seus setenta anos a
cantar e a dançar.
No chão havia lixo de toda a rodem, a certa altura escorreguei
e fui cair justamente em cima de um monte de bosta. E eu que não tinha outra
roupa para vestir. Antes que isso se tornasse mais um angustiante drama, o
despertador tocou.
Não sei o que andei a fazer. Estou toda moída e a cama
estava completamente em desalinho.
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