Andar com uma bengala branca na rua não deixa ninguém
indiferente. Há quem logo se apreste para ajudar, há quem se desvie
imediatamente para passarmos e há ainda um grupo restrito de pessoas que simplesmente,
movidas por um misto de curiosidade e compaixão, caminham ao nosso lado rezando
baixinho.
Posso traçar um perfil dessas pessoas. Normalmente são
mulheres, de estatura baixa, idade entre os setenta e os oitenta anos, quase
sempre apoiadas numa muleta ou num pau. Caminham curvadas e fazem um esforço
tremendo para nos acompanhar. Não falham um domingo na missa, rezam o terço
todas as tardes e encontram-se com outras amigas da mesma idade a lamentar a
sua vida, quando não é para falarem da vida dos outros. Normalmente os seus
assuntos passam por doenças delas e dos outros e normalmente esses relatos
surgem acompanhados de referências a entidades religiosas como Deus, Jesus
cristo e Nossa Senhora.
Quando caminham na rua ao nosso lado, improvisam orações que
não estão em nenhum livro da doutrina católica. Não disfarçam. Á medida que se
vão aproximando de nós, oram cada vez mais alto, como que acreditando que, das
suas fervorosas orações, surgirá a cura dos nossos olhos.
Nem se dão ao trabalho de disfarçar. Quem vai do outro lado
da rua pode perfeitamente ouvi-las a murmurar, apesar do intenso barulho do
tráfego.
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