Sonhos pouco
natalícios e pouco pacíficos para esta época do ano.
Sonhei que eu e a
minha mãe andámos uns dias a visitar uma morgue onde o cheiro a
carne fresca era uma constante. Aquilo mais parecia um talho, diga-se
de passagem. Pedaços de carne indefinidos jaziam em tabuleiros
metálicos de inox. A carne era muito branca, desprovida de sangue.
Eu não queria estar
ali mas, por incrível que pareça, a minha mãe seguia como se nada
fosse. É curioso e eu lembro-me de já aqui ter abordado esta
questão tão peculiar que só acontece em sonhos. Já uma vez sonhei
que a minha mãe mexia alegremente num cadáver e incitava-me a fazer
o mesmo. Na altura eu refleti sobre a troca de papeis nos sonhos
entre nós duas. Na vida real, a minha mãe tem pavor dos mortos e eu
não tenho medo deles. Nos sonhos dá-se o inverso. Eu morro de medo
e fujo dos cadáveres e a minha mãe lida com eles como se fosse esse
o seu trabalho.
Lá apanhávamos o
transporte todos os dias para regressarmos a sítio tão macabro. Ia
sempre com o coração nas mãos.
Acordei a tremer. As
minhas narinas ainda registavam aquele cheiro a carne cortada e a
éter ou lá o que era.
Fechava os olhos e o
sonho continuava. É uma propriedade também dos sonhos menos bons.
Eles continuam sempre. Os bons, aqueles que queremos manter para
sempre, esfumam-se ao mais ténue abrir de olhos.
Houve uma altura em
que o rumo do sonho mudou. Ia eu numa excursão e estávamos a
regressar a casa. Havia um problema: o motorista do nosso autocarro
tinha confraternizado connosco e exagerou no álcool. Não podia
pegar no autocarro. E agora? O pessoal todo já vinha bem bebido
menos...o Hichem? O Hichem do Moreirense, esse mesmo. Se calhar a
excursão era à Senhora da Penha. E lá até dão vinho em malgas
grandes. Já lá fui há uns anos com o meu pai e o pessoal que ia na
excursão saiu de lá bem bebido.
As velhotas que não
sabiam conduzir viram um estranho pegar no autocarro e dizer que
tinha carta de pesados. Se a polícia aparecesse sempre era melhor
haver alguém que não estivesse habilitado para conduzir aquele
veículo do que estar ao volante um motorista profissional podre de
bêbado.
E lá ia o autocarro
pela auto-estrada fora. A dúvida estampada no rosto dos passageiros
que ainda tinham a cabeça em condições para raciocinarem. Era o
meu caso enquanto olhava para a estrada. Estava a anoitecer. Eu
pensava que provavelmente ele terá tirado a carta de pesados lá na
Argélia. Havia que dar o benefício da dúvida. Ele também seria
responsável ao ponto de não se meter à estrada com um autocarro de
passageiros se não tivesse capacidade para conduzir. A questão que
se punha era se a carta de pesados tirada na Argélia dava para
conduzir cá. Mas a carta de veículos ligeiros dele dá. De certeza
que ele conduz nas estradas portuguesas.
Enquanto isso, o
autocarro seguia sem sobressaltos na estrada. O condutor improvisado
era muito cauteloso mas a cara das velhotas que vinham de algum
Santuário no Norte do País era impagável. Ia jurar que iam a rezar
o terço temendo que o autocarro se despistasse e fosse parar a uma
ravina.
Antes de dar por
finda a atividade onírica para esta noite, ainda sonhei que corria
às voltas na sala lá em casa, já que não estava em Coimbra. Para
além de correr, fazia flexões de pernas e saltos. As pernas até já
me doíam e tremiam, como acontece quando se treina força. Depois de
tanto esforço, reparei que não tinha ligado a aplicação de
corrida.
Acho que quem corria
mesmo pelo soalho era o meu sobrinho. Era hora de me levantar.
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