Esta é mais do que uma história de amor. É uma história de coragem, abnegação, resiliência, partilha. É uma história duradoura feita de altos e baixos, de bons e maus momentos, de desafios e decisões. Uma história simples de gente simples. Uma história de luta, trabalho, suor e lágrimas.
Ele serviu heroicamente a pátria em Moçambique. Não fazia ideia onde ficava a terra que tinha de defender, se possível, com a vida. Por ela lutou, por ela matou e viu morrer. Por ela se tornou herói de guerra recentemente reconhecido. Diz ele que teve de matar para que familiares não chorassem a morte daqueles que amavam e estavam lá longe a lutar.
Ela, juntamente com a sua mãe quase cega, construiu uma casa á custa de muito trabalho e abnegação. Tendo também nascido com uma deficiência visual congénita, tal como a mãe e a avó, não pensava sequer em casar. Mas o amor acabaria por surgir. Chegado da guerra, ele arranjou emprego na serração perto de casa dela e ali se apaixonaram. Casaram em 1975 e, um ano depois, chegou a primeira filha, também ela portadora de deficiência visual. Menos de dois anos depois, viria ao mundo outra filha com o mesmo problema, dada a condição ser genética. Foi um desafio que ambos tiveram de enfrentar, até porque a mãe dela viria a ficar completamente cega, algo que na altura era uma sentença de grande vulnerabilidade, de praticamente desistência da vida. Mesmo cega, ela viria a ser crucial, uma referência importante na vida e educação das netas.
Os primeiros anos não foram fáceis. Apesar de nunca ter havido uma situação de fome e extrema carência naquele lar, os tostões eram meticulosamente contados. Os animais e a vida no campo eram meios de subsistência para que não se passassem necessidades. Tempos difíceis, de muito trabalho e incerteza. Tempos desafiantes e de descoberta. Ter um filho portador de deficiência não é fácil para os pais, quanto mais dois. Mas eles aprenderam a viver com essa realidade, a se surpreenderem com a conquista das filhas, boas alunas na escola e com grande sentido de imaginação.
Á medida que as filhas foram crescendo, nem por isso eles abrandaram a luta. Trabalhar arduamente está-lhes no sangue. Nos anos noventa havia que pagar os estudos superiores das filhas e mais tarde havia que ajudar, de certa forma, pois não seria fácil a inclusão de pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho. Havia que trabalhar ainda mais no campo, nas lides dos animais.
Hoje, com a idade e o corpo a implorar a ambos que parem, eles são incapazes de ouvir os sinais. Muitas vezes discutem, muitas vezes acabam frustrados por não conseguirem chegar a todo o lado como dantes, por os seus corpos vergados pelos anos de luta árdua já não responderem como outrora. Sempre com animais por companhia, eles envelhecem. Não querem ouvir falar dos anos que passam. Cinquenta anos de uma vida em conjunto para estas pessoas simples não tem significado, segundo eles. Para quem vê de fora, é uma história de vida muito bonita e encorajante.
Numa altura em que tudo é efémero, em que, á primeira frustração se desiste logo de tudo, este exemplo de vida, esta história real pode inspirar, dar a entender que tudo se conquista com paciência, tempo e esforço. Não desistir na primeira adversidade é o segredo. Ultrapassar em conjunto momentos desafiantes, por mais que haja dias bons e dias maus, ajuda a unir e a construir algo em conjunto que solidifica uma parceria duradoura entre duas pessoas que nunca baixam os braços, por mais que seja difícil muitas vezes levantar da cama.
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