Nem queria acreditar
quando fui ver se o meu boletim do Euromilhões tinha alguns trocos e
de lá saiu uma quantia choruda que dava para viver à grande durante
algum tempo. Resolvi aproveitar. Então não?
Para começar,
comprei umas roupas de marca, nada de muito espampanante, pois não
gosto dessas coisas, e resolvi marcar mesa num restaurante de luxo em
Lisboa para duas pessoas. Bem, não era uma mesa para duas pessoas-
era para mim e para a Feijoa. Ai de quem se atrevesse a pô-la na
rua!Agora os animais de companhia já podem entrar nos restaurantes.
A Feijoa iria sentar-se à mesa. Pelo menos iria tentar.
Aluguei uma vistosa
limusina para nos transportar até ao restaurante. A noite estava
amena e encontravam-se no parque de estacionamento veículos de alta
cilindrada. O restaurante era frequentado por gente fina.
Ao longo da viagem
para Lisboa, a minha ilustre convidada resolveu, para não variar,
enterrar as suas unhas bem compridas nos estofos da limusine. Pois,
eu não cortei as unhas à minha gata. Ela não deixou. Também não
deixou dar-lhe banho e tive medo de ela morrer. Nunca na vida tomou
banho com champô e esses produtos que costumam comprar para dar
banho e perfumar os animais. A Feijoa foi para o restaurante a
cheirar a palha do palheiro lá de casa. Quem não quisesse ver, que
tapasse os olhos!
O motorista com o
cabelo a brilhar de tanto gel, abriu-nos a porta da viatura para que
saíssemos para o exterior. Eu peguei na Feijoa ao colo e ela logo
enterrou as suas temíveis unhas no meu pescoço, fazendo-me um
vistoso arranhão que se ira ver do outro lado do restaurante, por
mais que a refeição fosse à luz das velas.
Entrámos para um
sumptuoso hall onde o chão de madeira estava lustroso e bem cuidado.
Resolvi colocar a Feijoa no chão. Fui recebida por um senhor
elegantemente vestido com um fato de bom corte que me indicou a mesa.
Perguntou se eu esperava mais alguém e pareceu arvorar um sorriso de
escárnio quando lhe disse que era só eu e a minha gata.
Quem se riu depois
fui eu, pois ambos os julgares estavam preparados para a refeição
com requintados talheres de prata e copos de cristal. Veio outro
empregado de mesa perguntar se queríamos beber alguma coisa. Eu
afirmei que não. Para a Feijoa sempre podia ser água da torneira
mas não naqueles copos que se iam acabar por partir.
O espaço estava
iluminado de forma sóbria, bem formal. Suaves acordes de jazz
provinham da instalação sonora. Era o tipo de ambiente ideal para
se jantar com a cara-metade ou para uma refeição de negócios. Na
mesa da frente estava um casal de meia-idade. Não pareciam ser
portugueses. Seriam americanos talvez. A mulher estava exageradamente
maquilhada e exibia um impressionante número de joias de
incalculável valor. O seu acompanhante era um homem de estatura
média com um fato em tons claros. Conversavam animadamente e iam
bebendo champanhe enquanto a comida não chegava. Mal me distraí a
olhar para eles, perdi de vista a Feijoa que se tinha sentado em cima
da toalha branca de uma mesa das que ainda se encontravam
desocupadas. Logo exibiu as marcas da sua passagem. Chamei-a em
surdina mas ela não me obedeceu. A solução foi ter de a ir lá
buscar. Ela começou a miar excessivamente alto.
Numa mesa
encontravam-se quatro senhores muito elegantes nos seus fatos de alta
costura. Pareciam ser políticos ou empresários. Mesmo que fossem
políticos conhecidos, eu não os reconheceria e muito menos me iria
dirigir a eles. Ainda se fossem desportistas…
Ouvindo a Feijoa a
miar, fazendo uma barulheira infernar (acreditem que a criatura é
tremendamente chata e não joga com o baralho todo), aqueles senhores
não disfarçavam o seu enfado e bufavam ruidosamente. Para
disfarçar, perguntei a um deles que horas eram mas nenhum deles me
respondeu.
Chega um empregado
com a ementa. Tudo pratos com nomes estrangeiros que eu não sabia o
que eram. Tal como aconteceu quando no Verão de 2007 estive na
Holanda, chegava aos restaurantes e tinha de perguntar o que era a
ementa e que raio era isso, aqui em plena cidade de Lisboa tive de
fazer o mesmo. Com um ar de gozo, o empregado perguntou o que ia
desejar a minha convidada. “Juízo” gracejei eu ainda o gozando.
O senhor foi muito
atencioso e sempre arranjou para a Feijoa...um requintado filete...de
peixe-gato. Eu nem sabia o que comer. A Feijoa atirou-se ao seu prato
que não era de plástico, como devem calcular, e devorou a sua
comida num ápice. Quando acabou de comer, saltou para cima de uma
mesa onde estavam sentadas duas pessoas que estavam em contra-luz e
eu não conseguia distinguir quem eram. As pessoas tentaram enxotar a
Feijoa de cima da mesa mas ela cravou-lhes as unhas (a sua temível
arma) nas costas das mãos. As pessoas pegaram nas suas coisas,
foram-se embora e nem pagaram a conta. Em cima da mesa tinha ficado
uma garrafa de um vinho muito exclusivo. Devia custar uma fortuna.
Aos poucos, o
restaurante foi ficando vazio. Não estava a ter a noção da
barracada que estávamos a dar. Só estávamos nós à mesa. Que bom!
Um restaurante todo chique só para nós. Se o tivesse reservado só
para esta noite, não ficaria melhor servida.
O pior ainda estava
para vir. Quando já me despedia e pedi a conta, fiquei fora de mim
ao olhar para os números completamente surreais que o empregado me
apresentou. Não só tinha de pagar as minhas despesas, como tinha de
pagar os estragos, os danos morais e patrimoniais provocados pela
presença da gata e toda a comida e bebida que as outras pessoas
acabaram por deixar abandonada em cima das mesas e que não se
atreveram a comer. Num dos casos, a Feijoa não se fez esquisita como
eu e comeu pelas bordas de um prato um requintado menu que a mim me
fazia revolver o estômago. Para gozar comigo, ainda escancarou
aquela boca junto a mim e começou a lamber os seus bigodes já
brancos de treze anos de vida.
E assim gastei eu a
pequena fortuna que havia ganho no Euromilhões. Se calhar naquele
restaurante já não vão deixar entrar mais nenhum animal de
companhia.
Seguimos no nosso
transporte. Apesar de ter pago todo aquele estrago, ainda me vinha a
rir. A cara de algumas daquelas pessoas era impagável. Feijoa dormia
de barriga cheia enroscada no banco junto a mim.
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